Alfredo MR Lopes (*)
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As demissões do polo industrial de Manaus já alcançam cargos de gerência, sinalizando, numa leitura acurada das mudanças, que as decisões são mais estruturais que sazonais no planejamento e definições da indústria local. Demitir no Brasil é sempre um mau negócio do ponto de vista do empregador, daí o mecanismo das férias coletivas, banco de horas e negociação. O cenário se tornou ainda mais sombrio, é verdade, com a intervenção do governo no câmbio, agravando o aperto na economia local, fundada fortemente na produtividade do polo industrial. À exceção de empresas brasileiras como a Val e, setor de mineração, a Embraer, aeroespacial, e discretamente as de papel e celulose e algumas de alimentos, a alta do dólar começa a espalhar seus estragos. No modelo ZFM, em especial, estruturalmente dependente de insumos cotados na moeda norte-americana, para desassossego de quem tem dívidas com fornecedores estrangeiros. De quebra, o dano já alcançou as companhias aéreas e as empresas que produzem genéricos, os medicamentos de que depende a saúde dos mais humildes. Parece que não estamos, assim, 300% preparados.
Encolhimento da produção, redução da mão-de-obra empregada e revisão, para baixo, de metas de desempenho, fazem com que novas adversidades se somem a antigos gargalos estruturais. Uma concordância no discurso de empresários, trabalhadores e poder público, e inquietante unanimidade no descaso geral de focar e enfrentar a questão. Com dólar baixo ou alto, a bem da verdade, a lição de casa não foi assumida de frente e pra valer. A bandeira da inovação tecnológica segue hasteada e só. Os estados vizinhos, sem incentivos fiscais, dão l ição de competência no avanço da equação promissora entre potencialidade natural e prosperidade econômica. Por aqui, os custos portuários-operacionais, para citar um dos imbróglios, seguem zombando do bom senso com as taxas maiores do país repassadas por uma estrutura precária, fechada e incompatível com qualquer pretensão de competitividade e prontidão. Se a alta do dólar virou perversidade localizada e sazonal, os estragos logísticos, energéticos e de comunicação seguem sua rotina estrutural, permanente e imanente, para regozijo de alguns e agonia geral.
Entre os projetos de priorização logístico-portuária, duas iniciativas esbarraram na estratégia competente e irreverente da protelação, orquestrada e financiada por estranhas e sabidas movimentações. Um deles, o Terminal das Lajes, foi parar no Supremo Tribunal Federal, sem data pra sentenciar, pra regozijo concorrencial e desastre operacional, escrevendo a história mais estapafúrdia do boicote ao empreendedorismo, em nome da hipocrisia socioambiental e paisagística, a brecar o mais primitivo e irretocável axioma do mercado: o principio da concorrência que descreve e dá suporte à livre iniciativa, esteio vital e central do sistema capitalista. O outro, a decantada licitação do Porto da Siderama, proposto, ao que tudo sugere, pra não prosperar, acaba de ser mais uma vez abortado, por excesso de confusão, limitação geomorfológica, complicação documental e desinteresse empresarial.
Como evitar a desindustrialização de um modelo, marcado por tanta contradição, oportunismo e contravenção, onde – pra ilustrar o desabafo – o desembaraço de mercadorias chega a seis meses de espera, enquanto sobram fiscais no desembaraço de cargas em todos os terminais portuários do país. Uma disfunção operacional que permite inferir – alem da fragilidade da configuração estrutural – cumplicidade dos atores envolvidos, na manutenção dos transtornos e embaraços lucrativos, decorrentes de taxas extorsivas de armazenagem e retenção sistemática de produtos. Um negócio rentável e efetivo dano de uma conta que só se amplia e é paga pelos insumos da indústria, pelos produtos do comércio, alimentos e medicamentos para o consumidor, incluindo o feijão com arroz da cesta básica. Especialistas portuários estrangeiros se descabelam para entender e atender as exigências portuárias de Manaus, um duro golpe na competitividade, e indicador inequívoco da desintegração industrial e dos costumes, que não mobiliza a classe política para o exercício de sua função no desafio da organização social. Como, por que e até quando?
(*) Alfredo é filósofo e consultor ambiental.