ZFM: o timão vazio de Gilberto

…se esquecermos de celebrar nossos mortos,

eles morrem, de novo, dentro de nós.

(Nunes Pereira)

Sobram argumentos para a defesa da prorrogação do modelo Zona Franca – medida vital para, definitivamente, preparar a formulação de novas matrizes econômicas –  mas falta a autoridade de um tribuno com credibilidade para liderar as ressalvas dessa transformação.  Iremos esgoelar no discurso para convencer o Brasil da importância da preservação da floresta, de evitar sua ocupação pela economia do tráfico, assegurar a redução das disparidades regionais, a substituição de importações, entre outras argumentações de praxe. Quem vai acolher esses motivos e concordar com altruísmo que isso é suficiente para justificar a prorrogação da ZFM por mais 50 anos? No último debate sobre prorrogação, há 10 anos, Gilberto era senador da República e, ao lado de Arthur Virgílio Neto e Jéferson Peres, demonstrou com credibilidade e firmeza a relevância, para o Brasil, naquele momento, de manter o modelo Zona Franca de Manaus. Sem estardalhaço nem pirotecnia eleitoral, diga-se. Os tempos são outros, o país mudou e complicou a tarefa de convencer o Congresso Nacional – nesse clima de guerra contra a renúncia fiscal e de pressão de outros estados por vantagens tributárias – sobre a necessidade de prorrogar o prazo de vigência da Zona Franca de Manaus até 2073. É óbvio que a articulação política, liderada pelas promessas de campanha da presidência da República, tem chances objetivas de barganhar essa aprovação. A partir deste momento, também, vai fazer falta uma liderança regional capaz de administrar e gerenciar a tensão de defender o modelo contra argumentos cada vez mais agressivos contra o regime de exceção.

Falta liderança, ainda, para mobilizar os atores locais na direção de colocar as cartas na mesa e traçar novos rumos, estabelecer as premissas e vislumbrar o como, o quando e aonde queremos chegar com mais um largo prazo de exceção fiscal. Carecemos de liderança para impedir que empurremos  debaixo do tapete a poeira da protelação das novas trilhas que conduzam à construção de um novo conceito de prosperidade, com uma economia diversificada, focada na interiorização das oportunidades. Temos condições e inadiável obrigação de dar um basta à fragilidade institucional e imponderabilidade legal do modelo econômico vigente, através do estabelecimento de novas matrizes econômicas, absolutamente integradas à política econômica, industrial, cientifica e tecnológica nacional, com respectivos estudos de viabilidade, planejamento estratégico, definição de prazos e com a participação de atores representativos desses segmentos. Como desencadear essa operação vital? Antes de falecer, em 2009, Gilberto iniciara a preparação de alguns debates e recomendava a formulação de alguns estudos para aprensentar um novo Planamazonas, na evoluçao do que promovera no início dos anos 90, quando lhe faltaram os rins para por em prática sua visão estratégica.

Não temos tempo nem direito de seguir às cegas, improvisando para amanhã os questionamentos de hoje, de um mundo sob o imperativo da alta tecnologia, em que a indústria do conhecimento é o fator de produção mais importante. Como justificar um polo de produtos de tecnologia sem investimento massivo de uma parte significativa dos mais de R$ 1, 3 bilhão que as empresas da ZFM recolhem para esse fim a cada ano, em pesquisa e desenvolvimento, focado na inovação tecnológica que se impõe? Como produzir bens e serviços ambientais coerentes com a vocação de negócios do bioma amazônico sem um acervo de conhecimento, atrelado à tecnologia de agregação de valor, que transforme o inventário da biodiversidade na matriz econômica promissora das oportunidades, já testada e aprovada em outros clusters de sucesso sobejamente conhecidos? Em seu último governo, Gilberto foi buscar parceiros nos Estados Unidos e em Israel, os centros mais avançados de inovação tecnológica dos anos 90, para ensaiar na ZFM a indústria do conhecimento, a bioindústria e a informática. Esbarrou nas limitações orçamentarias do Estado e na incompreensão e indiferença da União para levar adiante a empreitada. Mesmo assim, trouxe para Manaus a Fundação Getúlio Vargas, e propiciou as condições para a formação de gestores e planejadores locais. Em seu currículo, constam as primeiras graduações em filosofia, economia e contabilidade, a partir das quais foi possível a instalação da Fundação Universidade do Amazonas. Criou a unidade da Embrapa no Alto Solimões, e promoveu a atração de parceiros e recursos para a academia, entre diversas iniciativas para ajustar às condições locais toda a movimentação que Japão, Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan, China e Malásia haviam desencadeado para se tornar produtores e exportadores das lições relacionadas à indústria do conhecimento. Aliás, o conhecimento foi o tema de seu discurso de estreia na tribuna do Senado Federal e sua obstinação por 8 anos.

Quando abriu escola para preparar seus contemporâneos na disputa dos concursos federais, em 1950, o professor Mestrinho tinha 22 anos de idade. Foi a primeira oportunidade de promover sua gente a buscar um lugar ao sol pelo brilho do conhecimento. A aposta deu certo: em pouco tempo os primeiros lugares nos concursos para auditor fiscal do Tesouro e funcionário do Banco do Brasil começaram a registrar a presença amazonense. A educação, repetia exaustivamente, é a única maneira de transformar para melhor uma sociedade. E a história das civilizações progressistas está aí para referendar essa convicção. Filho de professora da rede pública, quando governador, cuidou de editar livros didáticos nas línguas indígenas, uma iniciativa eloquente em favor do ensino como valor universal. Revisitar a saga de Gilberto, o timoneiro ausente, neste domingo em que completaria 86 anos de vida – num momento em que a economia do modelo Zona Franca é bombardeada por todos os lados – significa postular pela bioindústria de fármacos, cosméticos, fibras vegetais e resinas com fins industriais para dinamizar e interiorizar oportunidade. É apostar na educação e na economia do conhecimento, requisitos essenciais do Plano B de bom senso para a ZFM, que reúna biodiversidade com a etnodiversidade e distribuição de novas matrizes do saber e fazer, no rumo certo da agregação de valor que a que a inovação tecnológica conduz.  Por fim, cabe destacar uma constatação dramática, na contramão do ufanismo de um crescimento nominal e circunstancial de faturamento em nome do qual relutamos em parar para acertar. No ensaio  “O federalismo brasileiro e a economia amazônica”, que integra a coletânea “1912 – 2012 Cem anos da Crise da Borracha: do retrospecto ao prospecto”, do Corecon-Pará, o economista José Raimundo Vergolino assinala que, no período de 1990-2008, que o Amazonas começa a perder o ritmo seja na evolução do PIB per capita, seja no PIB geral da indústria, agropecuária ou serviços. Ele apresenta (com exceção pontual) o menor índice de crescimento em relação a todos os estados, mesmo em relação a atividade industrial, que deveria ser nosso trunfo por termos o polo indústria da ZFM. Infelizmente,  na premência de apontar novos rumos, permanece vago o cargo de timoneiro na condução dos destinos do Amazonas.

Alfredo MR Lopes

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