Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br
Enquanto o Congresso adia a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC-506/2010), que prorroga por 50 anos a Zona Franca de Manaus, por manobra da bancada paulista para incluir os benefícios fiscais para Informática por igual período, um fato relevante colocou na ordem dia das empresas – que aguardam até 50 meses para ter seu PPB – Processo Produtivo Básico liberado – a consulta jurídica na busca por seus direitos. Não resta alternativa, que não seja a investida ao arcabouço jurídico, para definir as regras do jogo que amparam os investimentos na Zona Franca de Manaus. O fato relevante é a recusa peremptória, por parte do Ministério do Desenvolvimento e de Ciência, Tecnologia e Inovação, do PPB de um item a ser produzido no Polo Industrial de Manaus. O item, que será revelado tão logo a empresa tome suas providências legais, é um entre as dezenas que aguardam manifestação ministerial. Sem critérios explicitados, nem amparo jurídico para a decisão, a recusa pura e simples revelou que o GTPPB, a instância dos ministérios que dá a sentença, passa a ser o formulador da política industrial nacional, com status jurídico superior à Carta Magna e à Suprema Corte deste país. Pode?
Até aqui as entidades que representam as empresas locais, em nome da proatividade e nobreza que devem permear as relações, descartaram a hipótese de recorrer à Justiça para dirimir dúvidas e equacionar pendências, atrasos, descasos… A sentença de veto de ao PPB vai brecar um empreendimento, com os danos e perdas que isso representa. Em Manaus, diz o Decreto-Lei 288/67, que criou a ZFM, somente está proibida a fabricação de armas e munições, perfumes, fumo, bebidas alcoólicas e automóveis de passageiros. Para todos os demais produtos, o governo federal, por regulamentação por ele próprio estabelecida, tem 120 dias para publicar o PPB e se não o faz, não resta outra saída além de recorrer à justiça. No mais pessimista dos cenários, o juiz dirá que o PPB está aprovado por decurso de prazo. Simples assim! Ele não encontrará em lugar algum do acervo jurídico nacional qualquer penduricalho legal que impeça quem quer que seja o direito de fabricar, no âmbito da Zona Franca de Manaus, qualquer produto.
Do lado de quem estão as entidades quando o PPB de um produto fica travado ou, como agora, não foi liberado? A resposta parece óbvia mas não tem sido assim a partir desse axioma legal insofismável. A mesma pergunta se aplica à Suframa, a agência federal que tem a responsabilidade da distribuição de benefícios fiscais. Até aqui Suframa e entidades buscaram a negociação, temendo que os pingos da legalidade nos is da intransigência imperativa resultem em aumento das liberalidades formais, em outras palavras os entraves burocráticos. Este caminho da conversa proativa não tem prosperado pondo em risco o marco regulatório de uma ZFM que encolhe a cada dia. Os dados de desempenho estão aí para quem sabe ler.
Essa alternativa da diplomacia fiscal, e da desregulamentação burocrática se revela na indefinição, por exemplo, do modelo de gestão do Centro de Biotecnologia da Amazônia, que consumiu mais de 120 milhões das empresas instaladas na ZFM, e tantos prejuízos causa há 13 anos pela protelação do polo de biotecnologia. Entidades e a própria Suframa, em lugar de descredenciar com o aparato legal o mandonismo do GTPPB, se curvam à decisão de dois burocratas que não adotam a Lei, nem se baseiam em critérios públicos e transparentes para proibir empresas no âmbito da ZFM. Melhor seria contestar, com as tábuas da Lei, a insensatez de travar por tantos anos um polo de bio-indústria que poderia promover o aproveitamento inteligente e não-predatório da biodiversidade. Quanto à embromação ou veto do PPB, transcorridos os 120 dias por ele próprio estabelecidos, que se consulte a Lei e lhe confira o poder da decisão. Chega do discurso da indignação moral, da especulação sobre razões republicanas, ou obscuras, em busca daquilo um direito líquido e certo. Esgotadas as saídas, construídas na mesa de negociação eleitoral, o melhor caminho – como recomendam sábios juristas escolados no direito familiar ou empresarial – o mais correto caminho é a Lei.
Em agosto último, depois de esperar mais de quatro anos pela liberação do PPB, o Processo Produtivo Básico que normatiza e habilita o produto para fruição dos incentivos fiscais, a empresa de medicamentos Novamed obteve a aprovação do projeto no Conselho de Administração da Suframa, órgão máximo de distribuição dos incentivos na Zona Franca de Manaus. São mais de 50 de prejuízos causados pela demora na liberação do PPB. É curioso lembrar esta é a primeira indústria de fármacos, com capacidade potencial de utilizar a imensidão de recursos genéticos da floresta. No limite, esta é a base ecológica de que falava o atual ministro do Desenvolvimento, ao cobrar da ZFM outras matrizes econômicas com agregação de valor e maior competitividade. Outras propostas do setor, incluindo empresas de cosméticos, focadas em oleaginosas, fibras e resinas com potencialidade comercial, desistiram ou capitularam diante do lobby contra a ZFM. A pátria da nutracêutica, de que falava a geógrafa Bertha Becker, ao propor estabelecimentos de produção para as comunidades ribeirinhas amazônicas, esbarra na pátria da burocracia transformada em entidade autotrófica. E essa incerteza da insegurança legal, prazos imponderáveis, entre outros entraves, interferem na tomada de decisões, desestimula a programação dos investidores, embaralha cronogramas, enfim, compromete a definição de novos empreendimentos na região.
Definido pela Lei Federal n.º 8.387, de 30 de dezembro de 1991, o PPB foi criado para substituir a política anterior que era estabelecida pelo índice nacionalização de componentes, e para reduzir a importação de insumos. O processo fixa um conjunto mínimo de etapas físicas a serem cumpridos pelas empresas que se candidatam a receber incentivos, e foi estabelecido para gerar maior adensamento da cadeia produtiva e agregação nacional. Cumpridas as exigências, a empresa inicia a produção daquele bem e só a partir daí passa a usufruir das isenções tributárias. Teoricamente o PPB cumpre o papel de controlar o número de importação e de exigir níveis crescentes de nacionalização de partes e peças produzidas. Cada produto obrigatoriamente tem que cumprir a um PPB, e sua liberação tem passado por critérios técnicos e por pressões dos estados mais industrializados, temendo a paranoia da fuga de empreendimentos em direção a Manaus. Se os benefícios fiscais da ZFM só são concedidos com o início da fabricação, e sua fruição após a comercialização dos produtos, protelar ou embargar a liberação do PPB é espalhar danos, impedir a criação de empregos e renda, evitar a receita pública dos tributos. É essencial recordar que o modelo Zona Franca de Manaus – intrinsecamente ligado ao zelo e guarda do bioma florestal – é a política federal de desenvolvimento mais acertada para a Amazônia. Com a palavra, a justiça!
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta