Por Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br
Uma semana de boas notícias, apesar do desmatamento recorde na cobertura vegetal do Amazonas. Enquanto é firmado o Acordo do Açaí, que envolve a poderosa Coca-Cola e as agroindústrias do interior, financiadas pela AFEAM, agência estadual de fomento, a UEA, Universidade do Estado do Amazonas, ainda alvejada pelo ranking acadêmico do jornal Folha de São Paulo, celebra um oportuno acordo de parceria tecnológica com a Honda, a maior empresa de duas rodas e de fabricação de motores do planeta. Nesse meio tempo, AFEAM e INPA, Instituto Nacional da Amazônia, resolvem juntar suas farinhas. A iniciativa é sequencia do que foi debatido no mês passado, no seminário que CIEAM/FIEAM promoveram sobre Pioneirismo e Futuro da Economia Regional, com entidades e empresas de biotecnologia da região. Para aproximar as farinhas da pesquisa e do fomento, o workshop entre pesquisadores, empreendedores e gestores buscou identificar pontos de convergência entre os dois organismos e formas de ação compartilhada em cadeias produtivas do interior e sua integração com o Polo Industrial de Manaus.
O INPA conhece, desde a crise do petróleo dos anos 70, o teor energético de 18 oleaginosas que podem fazer funcionar motor de ciclo Diesel sem mistérios, incluindo o motor de rabeta, uma invenção amazonense que ajudou o caboco a viajar mais depressa . Combustível na Amazônia vale ouro. “Para entregar um litro de óleo em Pernambuco, uma comunidade do Alto Juruá, 800 km de Manaus, a distribuidora gasta 4 litros no transporte”, lembrou Pedro Falabella, presidente da Agência. Um dos pontos de partida é promover a produção de fonte alternativa de energia com a produção de biocombustível, numa área experimental de 200 hectares, que possa gerar efeito demonstrativo e ser replicada em outros municípios para viabilizar agroindústria a partir do extrativismo sustentável. A aproximação vai mobilizar recursos de pesquisa e fomento do Fundo Amazônia – que o BNDES não consegue aplicar na floresta – e demais fundos de P&D das diversas agências e vai buscar replicar as empresas encubadas do INPA, em parceria com a Embrapa e organismos relacionados. É a cadeia produtiva da AFEAM com a colaboração da cadeia do conhecimento, que a pesquisa pode oferecer, anunciou Estêvão Monteiro de Paula, diretor de Ações Estratégicas da Instituição.
Enquanto a academia sacode as próprias sandálias da abstração para adentrar o chão de fábrica, atores da economia regional começam a estreitar ações, partilhar energia e experiência para desenhar novas matrizes de negócios, na expectativa de interiorizar oportunidades, equilibrar a distribuição da riqueza e integrar o esforço de um desenvolvimento humano mais justo e equânime. Como pensar, por exemplo, a economia da várzea, em padrões mais ousados do que aqueles que consolidaram a civilização do Nilo, sem debruçar-se sobre as pesquisas e retomar os resultados de tantas décadas de investigação feitas pelo INPA? Como cogitar a implantação de uma nova economia florestal madeireira e não madeireira, fundada na definição de espéc ies por seu valor de mercado, sem revisitar os estudos das cadeias produtivas, no robusto acervo de prospecção disponível no Instituto? O mapa das vocações já foi feito por Bertha Becker na orientação dos bionegócios e pela dupla Marilene Correa e Edneia Dias na identificação das demandas de qualificação acadêmica por calha de rio. E aí a economia do extrativismo foca seu contraponto agroindustrial.
Em 1942, alucinados por conta da escassez da borracha, o governo americano, invocando o Acordo de Washington, proibiu os navios cargueiros procedentes da Amazônia, de transportar castanha para Estados Unidos e Europa, a economia extrativa mais pujante da região, após a debacle da borracha, sob a desculpa do esforço de guerra que precisava dos navios cheios de borracha para os equipamentos bélicos do confronto. Um longo Memorial da Associação Comercial do Amazonas, na ocasião, descreve o que se pode chamar de interferência perversa dos acordos históricos de engessamento da economia amazônica, que escondem o imperativo da intocabilidade por razões nada altruístas. Uma das incubadoras do INPA, objeto de promissora parceria na área de alimentos, é ironicamente um programa de beneficiamento e agregação de valor ao extrativismo da castanha, uma economia ora entregue aos roedores por restrições ambientais nas Unidades de Conservação.
A melhor forma de investir contra esse frequente tipo de insensatez ambiental é demonstrar a viabilidade de novas tecnologias de alimentos, que sejam sustentáveis do ponto de vista da produção e integrais na ótica da biossegurança, para resgatar e atualizar o conhecimento consolidado na região, com INPA, EMBRAPA e demais instituições, que focaram no inventário e hoje priorizam a produção. Nesse contexto, é exequível normatizar e equacionar os negócios da aquicultura e levar em conta os programas e projetos de aproveitamento da ictiofauna que os pesquisadores locais tem desenvolvido. E é infinito o inventário de oportunidades que as várzeas amazônicas propiciam na produção de alimentos, como o feijão de praia que a AFEAM transformou em fonte de renda e prosperidade para as familias do Rio Purus, entre outros itens de uma extensa cadeia produtiva que evolui com a inserção e articulação da cadeia do conhecimento e da libertação do atraso e do descaso.
A percepção de que a ZFM industrial encolhe e a decisão do polo de duas rodas investir em tecnologia para salvar a própria lavoura e revitalizar o enfoque na inovação, fica cada vez mais evidente que o melhor meio de prorrogar, adensar e interiorizar o polo industrial, é vitalizar a aproximação entre os atores que põem a mão na massa, ou biomassa. Há sempre muita expectativa entre parcerias envolvendo INPA, EMBRAPA, AFEAM, e demais órgãos federais, estaduais, as entidades de classe dispostos à fusão e comunhão de metas, partilha de saber e de recursos na coincidência de atribuições, redução de desperdício, o acerto das proposições. AFEAM e INPA, nesta semana, se deram conta que é inadiável percorrer de outro jeito o mesmo caminh o e devolver à comunidade o saber e o patrocínio da investigação em nome da qualidade de vida, da promoção integral e permanente das pessoas. São padrões alternativos e sugestivos ao cotidiano do laboratório, à euforia da descoberta, e ao prazer de promover a partilha do saber: motivações nobres de adesão ao novo pacto entre ciência e existência, pesquisa e cidadania, que reescreve em formato poético o genoma da transformação, modificado pela engenharia genética da tecnologia social, num marco regulatório das oportunidades conjugadas na primeira do plural…
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.