O rumo certo de Gilberto

Por Alfredo Lopes:

alfredo.lopes@uol.com.br

Com a desculpa de resgatar R$ 0,20 e a necessidade de soltar a mágoa da indignação entalada no peito – contra a corrupção na classe política e o descompasso entre pesada carga tributária e a absoluta precariedade dos equipamentos públicos de saúde, educação, transporte e moradia – os jovens foram pras ruas e levaram consigo a revolta geral. A despeito disso, o desmando moral segue sorrateiro na conduta de determinadas lideranças políticas, num do país açoitado por momentos de indefinições e inseguranças estruturais e a iminência de instabilidade econômica. Na TV, o movimento das ruas já virou mote eleitoral dos mais espertos, na disputa do talento publicitário que prioriza a ilusão e descuida do interesse do cidadão. A classe politica do Brasil está predominantemente concentrada na preparação e expectativa do jogo eleitoral. A intensidade e prioridade dessa obsessão têm trazido danos substantivos para o conjunto da sociedade, posto que os interesses privados e do imediatismo  eleitoreiro, costumam tratar o bem comum como estratégia do projeto político e pessoal de poder.  O debate entre os atores e pensadores da questão nacional, suas alternativas de crescimento, do combate à  desigualdade social e da distribuição injusta dos frutos do progresso, tem sido trocado por medidas messiânicas de abolição da pobreza, como se a miséria fosse apenas pecuniária.

Nesta sexta-feira, na Missa da Igreja de Aparecida, a santa e o bairro que o acolheram toda a vida, os amigos relembraram 4 anos da partida de Gilberto Mestrinho, uma trajetória marcada por um conceito e uma prática política diferenciada. Igualmente focado nos parâmetros do respaldo eleitoral, com virtudes e vícios como todos os mortais, sua conduta, contudo, era a de quem pautava a promoção do interesse coletivo, materializada em medidas, projetos e ações de longo prazo tendo em vista a  transformação das condições de vida e de prosperidade do tecido social.  Sou testemunha cotidiana disso. Daí sua presença, envolvimento e contribuição, a partir dos anos 50, nos momentos decisivos que tiraram o Amazonas da estagnação provocada pela segunda falência da economia da borracha, após a II Guerra Mundial.

Governador do Amazonas, pela primeira vez em 1958 – ele já tinha sido prefeito de Manaus em 1956, depois deputado federal, mais dois mandatos de governador  e, finalmente,  senador da República, de 1999 a 2006, o Boto, como se permitia  tratar nos últimos anos, era um homem atento ao seu tempo, sem desgrudar o  olhar no futuro de sua gente. Com Almino Afonso, que depois chegou a ser governador de São Paulo, Arthur Virgílio Filho, e tantos outros companheiros, Gilberto lutou Fundação pela Universidade do Amazonas, pela homologação da Zona Franca de Manaus, 10 anos antes do Decreto-Lei 288/67, através do projeto do deputado Pereirinha, aprovada pelo Congresso, com a Lei de n. 3173/57. Eram  anos difíceis, em seus três mandatos executivos, conjuntura nacional adversa, receitas escassas e tudo por ser feito. Na educação, na saúde e na segurança, a intuição de uma sociedade próspera ficou retida na lembrança de quem acompanhou ações, intenções e conquistas do Boto Navegador. No Senado, soube costurar com Arthur Neto e Jeferson Peres e uma bancada na Câmara Federal mobilizada e atenta, os interesses do Estado, a prorrogação da Zona Franca, as verbas do Prosamim, do linhão de Tucuruí, da unidade da Embrapa no Alto Solimões, depois esquecida pelo descaso habitual, nas verbas para biblioteca e recuperação física da UFAM, o volume mais robusto para educação e saúde, que o Amazonas jamais viu no Orçamento da União, nas três oportunidades em que presidiu esta importante Comissão no Congresso Nacional… e por aí foi.

Gilberto foi pra rua a vida inteira, sempre e quando estavam em risco os interesses da nação, como na Corrente da Legalidade, com Brizola, Almino, Pedro Simon, Tancredo  Neves e toda a mídia alternativa de rádio e jornal, para garantir a Constituição e dar posse a João Goulart, em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros e o apetite golpista do conservadorismo de plantão. Mais recentemente, sem se importar com desgastes junto à imprensa do ambientalismo oportunidsta, Gilberto defendeu manejo sustentável de jacaré – cuja proibição de caça provocou superpopulação da espécie e graves acidentes e muitas mortes entre os ribeirinhos –   < /span>das árvores adultas com fins comerciais e ousou denunciar a armação do mundo desenvolvido – os grandes poluidores do planeta – em responsabilizar supostas queimadas da Amazônia pelo aquecimento global nos preparativos da Conferência da ONU, a Rio-92. “O fator humano é o único ser sagrado da escala evolutiva e, se a miséria polui, porque a fome depreda,  a melhor maneira de conservar o ambiente é atribuir-lhe uma função econômica”. Essas premissas lhe custaram uma imagem adversa, associada à conivência com a depredação, uma injustiça que a Ciência tratou de remediar e esclarecer em poucas décadas. Antes de partir, e fora do páreo político por opção, planejava mobilizar cientistas, gestores e lideranças comunitárias do beiradão, para traçar um programa mínimo de governo e compromissos para oferecer a quem pretendesse governar seu Amazonas. Lições de um diapasão coerente na arte e desafio de faz er política, no sentido original e literal de sua raiz na Antiga Grécia, de ordenar a polis, o tecido social. Eis a intuição política do Boto, o Rumo Certo de  Gilberto, um slogan e um compromisso de vida, seu diferencial, uma paixão que moveu toda sua vida e sobre a qual ainda é oportuno meditar. Descansa em paz, Gilberto!