O que ficou da fala da Presidente? A importação de médicos.

Não assisti na última sexta-feira a fala da Presidente Dilma. Estava na solenidade da Academia Amazonense de Letras. Ontem, conversei com várias pessoas que assistiram e o que ficou da fala sobre os acontecimentos e segundo elas foi que o Brasil vai importar médicos. Hoje, busquei ler a fala que republiquei na íntegra no post anterior e constatei que sobre o assunto são apenas duas linhas, mas ao acessar ao Facebook vi que postagens sobre a fala tratavam desproporcionalmente , e com indignação, sobre a fala da presidente como se ela tivesse abordado apenas essa questão.

Convenhamos que quem redigiu a fala presidencial terminou não conseguindo comunicar à população respostas às reivindicações.E terminou trazendo para o centro das discussões um assunto que não fazia parte dos pleitos, afinal nenhuma cartolina pedia a importação de médicos. Muitos pediam melhora nos serviços de saúde, o que é coisa bem diferente de importar médicos. Sobre esse tema postarei um texto meu no correr desta semana.

A conclusão de que a comunicação terminou jogando a Presidente às feras não é só minha. Leia esta breve, mas boa análise do Blog de Renato Riella em dois post cujos links vão abaixo:

http://blogdoriella.com.br/nao-e-a-economia-nao-estupidos-e-a-politica/

http://blogdoriella.com.br/voce-duvida-que-havera-uma-passeata-de-medicos/

Por outro lado, recebi nos meus e-mail e Face muitas mensagens de jovens médicos indignados. Transcrevo abaixo apenas duas:

Fernanda Melo, médica, moradora e trabalhadora de Cabo Frio, cidade da baixada litorânea do estado do Rio de Janeiro.

“Dilma, deixa eu te falar uma coisa! Este ano completo 7 anos de formada pela Universidade Federal Fluminense e desde então, por opção de vida, trabalho no interior. Inclusive hoje, não moro mais num grande centro. Já trabalhei em cada canto… Você não sabe o que eu já vi e vivi, não só como médica, mas como cidadã brasileira. Já tive que comprar remédio com meu dinheiro, porque a mãe da criança só tinha R$ 2,00 para comprar o pão. Por que comprei? Porque não tinha vaga no hospital para internar e eu já tinha usado todos os espaços possíveis (inclusive do corredor!) para internar os mais graves. Você sabe o que é puxadinho? Agora, já viu dentro de enfermaria? Pois é, eu já vi. E muitos. Sabe o que é mãe e filho dormirem na mesma maca porque simplesmente não havia espaço para sequer uma cadeira? Já viu macas tão grudadas, mas tão grudadas, que na hora da visita médica era necessário chamar um por um para o consultório porque era impossível transitar na enfermaria? Já trabalhei num local em que tive que autorizar que o familiar trouxesse comida ( não tinha, ora bolas!) e já trabalhei em outro que lotava na hora do lanche (diga-se refresco ralo com biscoito de péssima qualidade) que era distribuído aos que aguardavam na recepção. Já esperei 12 horas por um simples hemograma. Já perdi o paciente antes de conseguir um mera ultrassonografia. Já vi luva descartável ser reciclada. Já deixei de conseguir vaga em UTI pra doente grave porque eu não tinha um exame complementar que justificasse o pedido. Já fui ambuzando um prematuro de 1Kg (que óbvio, a mãe não tinha feito pré natal!) por 40 Km para vê-lo morrer na porta do hospital sem poder fazer nada. A ambulância não tinha nada…Tem mais, calma! Já tive que escolher direta ou indiretamente quem deveria viver. E morrer…Já ouvi muito desaforo de paciente, revoltando com tanto descaso e que na hora da raiva, desconta no médico, como eu, como meus colegas, na enfermeira, na recepcionista, no segurança, mas nunca em você. Já ouviu alguém dizer na tua cara: meu filho vai morrer e a culpa é tua? Não, né? E a culpa nem era minha, mas era tua, talvez. Ou do teu antecessor. Ou do antecessor dele…Já vi gente morrer! Óbvio, médico sempre vê gente morrendo, mas de apendicite, porque não tinha centro cirúrgico no lugar, nem ambulância pra transferir, nem vaga em outro hospital? Agonizando, de insuficiência respiratória, porque não tinha laringoscópio, não tinha tubo, não tinha respirador? De sepse, porque não tinha antibiótico, não tinha isolamento, não tinha UTI? A gente é preparado pra ver gente morrer, mas não nessas condições. Ah Dilma, você não sabe mesmo o que eu já vi! Mas deixa eu te falar uma coisa: trazer médico de Cuba, de Marte ou de qualquer outro lugar, não vai resolver nada! E você sabe bem disso. Só está tentado enrolar a gente com essa conversa fiada. É tanto descaso, tanta carência, tanto despreparo… As pessoas adoecem pela fome, pela sede, pela falta de saneamento e educação e quando procuram os hospitais, despejam em nós todas as suas frustrações, medos, incertezas… Mas às vezes eu não tenho luva e fio pra fazer uma sutura, o que dirá uma resposta para todo o seu sofrimento! O problema do interior não é falta de médico. É falta de estrutura, de interesse, de vergonha na cara. Na tua cara e dessa corja que te acompanha! Não é só salário que a gente reivindica. Eu não quero ganhar muito num lugar que tenha que fingir que faço medicina. E acho que a maioria dos médicos brasileiros também não.
Quer um conselho? Pare de falar besteira em rede nacional e admita: já deu pra vocês! Eu sei que na hora do desespero, a gente apela, mas vamos combinar, você abusou! Se você não sabe ser “presidenta”, desculpe-me, mas eu sei ser médica, mas por conta da incompetência de vocês, não estou conseguindo exercer minha função com louvor!
Não sei se isso vai chegar até você, mas já valeu pelo desabafo!”

Eduardo Ramos, médico que já trabalhou no interior do Amazonas.

“O discurso da presidente Dilma nos faz refletir. Como médico do SUS presenciamos todos os dias o descaso com os pacientes. Não defenderei aqui os médicos, por que no caso entraríamos em outra discussão. Discuto a falta de medicamentos, a falta de exames, a falta de leitos. Trazer médicos do exterior não resolve o problema. Não se iluda…! Fui médico no interior do Amazonas… trabalhei em um hospital que não tinha material para intubação, ventilador mecânico, eletrocardiograma…dentre outros exames…sem falar nos medicamentos disponíveis, limitados, e que muitas vezes estavam em falta. Chegar em um dos maiores Pronto Socorros de Manaus e ver pacientes em macas nos corredores é absurdo. Prescrever um antibiótico para um paciente que urgentemente precisa de tratamento e ser informado de que o mesmo está em falta na farmácia do hospital é lastimável. Solicitar um exame que deveria ser feito com rapidez e ouvir que só poderá ser feito em 1 mês é sofrível. E sendo muito sincero, trabalho nos dois maiores hospitais de Manaus, e devo admitir que não são dos piores. Se já convivo com todos esses problemas, imagina os médicos que trabalham em outros hospitais da capital e do interior. Isso sem falar dos serviços ambulatoriais. Agora me diga você… COMO MÉDICOS ESTRANGEIROS VÃO SUPRIR ESSES PROBLEMAS??? Quer dizer que preciso ser substituído pra poder melhorar a Saúde da população?? Não é possível que a presidente, o Congresso, os políticos em geral não consigam entender que a situação é péssima, que não é de mais médicos que o país precisa. Os líderes do nosso país não tem noção do que o povo necessita. Estão completamente alheios à situação. Populismo não é solução. É muito fácil pôr a culpa nos médicos e jogá-los contra a população. É muito fácil culpar os médicos pela incompetência do Governo em prover qualidade no sistema de saúde. Somos nós que estamos na linha de frente, suportando tudo isso, vendo o sofrimento de pacientes, chorando com eles e não tendo o que fazer….Aliás, podemos sim fazer alguma coisa. Protestar, manifestar…não podemos aceitar o absurdo que se instala nesse país. Impedir a importação de médicos é um começo. Conseguir melhores condições de atendimento e tratamento de pacientes é a meta.
Pra finalizar, deveríamos exigir que políticos, incluindo nossa digníssima presidente, seja atendida pelo SUS. Como médico atenderia com a maior boa vontade, como atendo à toda população. Mas sem tratamento VIP…sem exigências de furar fila, sem utilizar o “jeitinho brasileiro”, sem utilizar de sua “influência” pra ter rapidez no atendimento, realização de exames e tratamento! Será que após isso a prioridade será a construção de estádios??

Fica claro que o discurso não respondeu e abriu um novo flanco.