O EQUIVOCADO PENSAMENTO PAULISTA SOBRE A ZONA FRANCA DE MANAUS

O economista Wilson Cano, renomado representante do que pensa São Paulo em relação ao resto do Brasil, está em Manaus participando do Congresso Brasileiro de Economia e aproveitou para fazer críticas ao modelo Zona Franca de Manaus em entrevistas aos jornais locais.

Em resumo:

● O Brasil está sendo alvo da desindustrialização, com aumento das importações e por tabela a Zona Franca também será;

● Ninguém consegue competir com a China;

● Como saída para o Brasil propõe romper com a Organização Mundial de Comércio.

● Reclama que com a abertura a Zona Franca deixou de comprar componentes nacionais de São Paulo para comprar importados;

● O modelo é equivocado porque exporta pra dentro e não pra fora, ou seja, vende a sua produção para o mercado interno.

Todo respeito pelo ilustre colega, no entanto, ele parte de premissas equivocadas e chega a conclusões mais equivocadas ainda.

Em relação aos três primeiros tópicos essa é a nova ordem mundial. É um fato e não se briga com fatos, mas a partir deles temos que construir os nossos caminhos.

Por exemplo, por que a China é mais competitiva?

Baixos custos em decorrência de vários fatores, mas principalmente do Custo China bem baixo a começar pela boa infraestrutura. O Brasil tem que acordar e avançar em medidas que reduzam o Custo Brasil, por exemplo. Isso começa por melhores portos, aeroportos, energia elétrica, logística, banda larga, campos em que o estado brasileiro esgotou sua capacidade de investimento e tem vergonha de fazer o que deve ser feito, ou seja, sob seu total controle promover concessões.

Substituir importações é outro caminho, embora muitos achem que é um mecanismo superado. Pode até ter questionado a sua eficácia, mas que em muitas situações ainda é uma boa saída, isso parece ser indiscutível.

Agora a proposta de abandonar a OMC, ao invés de resolver, nos jogaria num isolamento que aí sim entraríamos num beco sem saída.

Sobre as duas principais críticas à ZFM – comprar menos componentes de São Paulo  e vender a nossa produção para dentro e não para fora do Brasil – revela ao mesmo tempo o “choro” de quem não está preparado para competir e o desconhecimento do modelo e sua principal política, qual seja, a de substituir importações.

Relembremos.

Nos anos 70 o Brasil vivia uma crise de cambiais em decorrência da crise do petróleo e decidiu implantar uma política de substituição de importações da qual o exemplo mais famoso foi o “Proalcool”, hoje de nome novo – etanol -, pelo qual se objetivava substituir a importação de petróleo.

Foi nesse período, através dos Decretos lei nºs 1435/76 e 1455/76, que o governo federal transformou a Zona Franca de Manaus num polo de substituição de importações criando quotas de importação e índices mínimos de nacionalização. Havia uma pressão enorme do mercado consumidor e dos importadores para que o governo autorizasse a importação de eletrônicos, por exemplo. No entanto, como o Brasil não tinha cambiais para importa-los, o governo chamou os importadores e disse-lhes:

“O Brasil não tem dólares para importar televisores, mas pode fabricá-los, pois já fabrica 90% dos seus componentes. Vão para Manaus. Daremos quotas de importação para apenas 10% do televisor. Vocês compram os 90% no mercado interno, leia-se São Paulo, importam os restantes 10%, montam em Manaus, vendem para o restante do Brasil, com isso substituem importações e nos ajudam”.

Foi por isso que importadores em São Paulo transformaram-se em industriais em Manaus, associados a marcas japonesas em sua maioria.

Esse é o modelo que ainda hoje está valendo, com algumas variações que ocorreram a partir da abertura comercial do Governo Collor, que evidenciou que os componentes fabricados em São Paulo eram caros e ruins, o que reduzia a competição com os importados. Foram elas:

● Acabaram as quotas de importação e os índices mínimos de nacionalização;

● Surgiram os PPBs – Processos Produtivos Básicos – que estabelecem as operações mínimas que devem ser feitas em Manaus.

A primeira reclamação dele diz respeito ao fim do cartório das indústrias de componentes em São Paulo que eram de baixa qualidade, custo alto e obviamente perderam mercado que antes era fechado só para elas. Ora, o polo de componentes em São Paulo quando vende para Manaus tem mais incentivos do que quem está em Manaus. De falta de incentivos, não podem reclamar. É o que chamo de Zona Franca de São Paulo que ainda hoje vende cerca de 15 bilhões por ano para o PIM. Já vendeu proporcionalmente mais. Precisa se modernizar, senão vai continuar perdendo mercado mesmo. Até porque algumas empresas, como a Honda, negociaram com seus fornecedores no Japão que montassem fábricas de componentes em Manaus. E isso é o melhor que pode acontecer para o Brasil e para a ZFM.

A segunda reclamação é de que o modelo exporta para dentro e não para fora. Ora, a função do modelo pelo que está inclusive consagrado na legislação é substituir importações e não gerar exportações como explicado anteriormente. A nossa ajuda na balança comercial é essa.

Ou será que o professor Wilson Cano não sabe disso?