Sob a batuta do cientista ítalo-baré, Ennio Candotti, e com o suporte do pelotão de choque científico e gerencial do INPA, na última quinta-feira, 12 de dezembro, o Musa, Museu Botânico da Amazônia, virou notícia, ao abrigar a solenidade de inauguração da exposição Peixe-Gente, mais a exposição de novos laboratórios e a ampliação do Orquidário Experimental. À luz das necessidades, é tímida, ainda, porém extremamente promissora, a mobilização de pesquisadores, jornalistas, empresários, poder público, e de muitas excursões escolares, para prestigiar e fazer crescer essa iniciativa extraordinária que o Museu representa. Uma agitação gratificante, a um tempo científica e poética, “um destino está em nossas mãos”, que nos compete fazer avançar no desafio da urgente consolidação. Um sonho que se materializa e se chama Museu Botânico Adolpho Ducke. O local foi escolhido cuidadosamente, e precedido de décadas de observação do bioma, pelo botânico que empresta o nome e o legado ao Museu. Ducke é italiano e decididamente visionário no sentido renascentista de voltar à Natureza em seu esplendor e radicalidade. Aquela reserva biológica é a síntese biótica da Amazônia, transformada no maior museu a céu aberto da Terra. . É importante pontuar que ela pertence ao INPA, o generoso provedor de saberes e fazeres amazônicos, uma instituição que está presente sempre e quando estão em jogo o destino, conhecimento e uso do bioma florestal.
Surgido, nos anos 50 do pós-guerra, para se contrapor à ocupação internacional travestida de Instituto da Hileia Amazônica, seu impulso original foi inventariar o acervo florístico e faunístico amazônico, um desafio já anotado e ensaiado nos esforços históricos de João Barbosa Rodrigues, na última década da monarquia brasileira. Ao propor a reserva, durante a instalação do INPA, em 1952, Ducke estava fincando novos pilares institucionais do Museu Botânico, já ensaiado por Rodrigues, ainda no período monárquico, por insistência da Princesa Isabel e do Conde D’Eu. Eles vieram ao Amazonas, precisamente à calha do Rio Negro, no alvorecer do Império, empurrados pela descrição fascinante e sedutora das Viagens Filosóficas de Alexandre Rodrigues Ferreira, na virada do Século XVIII. A República não entendeu a iniciativa e inibiu seu florescimento. Daí a satisfação de sua retomada no novo milênio.
Quem visita a Inglaterra e se permite conhecer o Museu Botânico de Kew Gardens, nos arredores londrinos, onde os ingleses selecionaram e melhoraram as sementes da Hevea brasiliensis, antes de plantá-las em seus domínios asiáticos, vai conhecer a façanha de Richard Spruce, que carregou, sem pagar royalties, antes das sementes, para o tal Museu, mais de 30 mil plantas, uma infinidade de mapas e milhares de sementes, entre elas toda a coleção de orquídeas, do majestoso acervo da Rainha que Kew Gardens conserva. Há mais de 100 anos que os ingleses se deram conta das vantagens robustas na relação entre botânica, pesquisa, economia e mercado. O professor Ozório Fonseca, que dedicou 40 anos da própria vida à pesquisa dentro do INPA, relata uma história de penúria financeira e olhar displicente para esta relação entre bioprospecção e mercado desde sempre. Ele rememora um levantamento feito em 1997 pelo Protocolo de Integração das Universidades da Amazônia Legal (PIUAL): “Havia na ocasião 1 (um) doutor/pesquisador para cada 1.000.000 de hectares. Isso significa que, para cada um, caberia a tarefa de pesquisar 28.600 hectares durante os 35 anos de sua vida profissional ativa, ou seja, 78 hectares a cada 24 horas, sem direito aos intervalos para alimentação, repouso, domingos, feriados, férias.”
Conhecer para conservar e saber usar. Esta já era a premissa das andanças amazônicas de Barbosa Rodrigues, quando percorreu os afluentes do Amazonas entre 1872 e 1874, observando, coletando e fazendo anotações sobre a utilização da flora local na medicina, na culinária e na habitação, bem como os nomes pelos quais as plantas eram conhecidas. O botânico colecionou também artefatos indígenas, fósseis, fez anotações sobre as línguas locais e muito mais. Retornou à Amazônia em 1883, quando foi designado pelo governo imperial para implantar e dirigir o Museu Botânico do Amazonas, em Manaus, até seu fechamento em 1890. De volta ao Rio de Janeiro, com a proclamação da República, foi nomeado, em 1892, diretor do Jardim Botânico da capital federal, para onde havia despachado muitas das espécies coletadas no Amazonas, especial mente bromélias e orquídeas.
Hoje, em Manaus, com o Museu em fase de expansão e reconhecimento, os estudantes têm a oportunidade de formar uma nova consciência, adquirir novas condutas em relação à floresta. Aprender a amá-la em suas manifestações de plena exuberância, suas coleções de palmeiras, helicônias e aráceas, seu viveiro de orquídeas e bromélias, árvores com 500 anos de idade, borboletas, macacos, preguiças, enfim, um acervo de espécies trazidas do interior da Reserva e de diferentes regiões da Amazônia. Adicionalmente, com apoio da prefeitura, governo do Estado, demais parceiros públicos e privados, a biblioteca, o anfiteatro, o pavilhão e a tenda para exposições e um viveiro com mudas para doação, completam os atrativos e abrem aos jovens as janelas fulgurantes do conhecimento e do compromisso. Programas de educação ambiental, jogos, oficinas de arte e sessões de contação de história e planetário são oferecidos aos grupos e escolas que agendam visita. Um programa, uma proposta, uma plataforma de mobilização e conquista de um novo patamar urbano, educacional e cívico de que precisamos. É só avançar e avançar!
(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.