Do EMTEMPO.COM, por Sara Matos:

Especialista em ginecologia e médica da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCecon) há 22 anos, a pernambucana Mônica Bandeira de Melo, 54, é uma das responsáveis pelo movimento na luta contra o câncer de colo uterino no Estado.
Formada na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a médica realiza várias palestras sobre a prevenção desse tipo de câncer na região e em todo o país. Na semana em que se iniciou a vacinação gratuita na capital e interior contra o papilomavírus humano (HPV), Mônica recebeu o EM TEMPO em seu consultório. Emocionada, ela disse que o Amazonas, com essa campanha de vacinação gratuitamente, deu um grande salto no avanço do combate à doença, por meio da prevenção.
“Quando o governador Omar Aziz me disse que iria trabalhar para que o Amazonas fosse o primeiro Estado a disponibilizar essa assistência, confesso que fiquei muito feliz”.
EM TEMPO – Quando começou sua luta para a prevenção do câncer no colo do útero?
Mônica Bandeira – Minha luta começou quando estava no quarto ano da Faculdade de Medicina e dava plantão na Fundação Cecon. Naquela época, eu já via essas mulheres morrendo. As hemorragias que sofrem são assustadoras. Naquela época, já me questionava porque essas mulheres não faziam preventivo, e são pelos mesmos motivos de hoje: “eu não sinto nada, para que eu vou fazer esse exame?”. Quando eu me formei não existia internet, hoje a informação é muito mais rápida. Mas ainda hoje não fazem porque têm vergonha, medo do resultado do exame e também por não terem acesso. Muitas mulheres moram em lugares tão longes que o Estado tem que chegar até elas.
EM TEMPO – O Estado aparece com o maior índice de morte causado pelo câncer uterino. Por quê?
MB – A média de início da vida sexual no Amazonas é muito baixa. De uma forma geral, no Brasil, é em torno de 15 anos, mas aqui não podemos falar isso. Na capital talvez fique em torno de 14 anos, mas no interior é menos. O fator de risco principal é a iniciação sexual muito precoce. Aí está o índice de gravidez na adolescência e somado a isso o difícil acesso para elas, pois é muito longe ir ao ginecologista, pegar resultado de exame. Além da questão cultural também. No interior, tem a questão de todos dormirem no mesmo espaço, muitos pais tem relação sexual com as próprias filhas e isso já é um começo para o HPV.
EM TEMPO – Com o lançamento da campanha, o Amazonas se tornou pioneiro no país com a iniciativa. Como se construiu o programa?
MB – Tive a oportunidade de explicar para o governador o que era a vacina HPV. A primeira-dama Nejmi Aziz, ficava insistindo com ele para que se informasse sobre a vacina. Ela vinha no meu consultório, assim como a Rebecca Garcia (secretária de Governo) e eu tinha vontade de falar na vacina, mas eu sempre soube separar as coisas. Elas me viam por aí dando as palestras. Até que no dia 4 de março deste ano me chamaram para explicar sobre a vacina. Montei uma aula de 15 minutos e apresentei ao governador e ao secretário de Saúde, Wilson Alecrim, para Rebecca Garcia e para a senadora Vanessa Grazziotin. Quando terminei de explicar, Omar foi além da sensibilidade, posso dizer que ele foi determinante e disse: “Mônica, nós vamos fazer isso, vamos disponibilizar a vacina, seremos os pioneiros”. Então, começaram a fazer as contas: ele o Alecrim, Raul Zaidan (chefe da Casa Civil) e, no outro dia, ele me ligou cedo para me reunir com o secretário de Saúde e fechar a faixa etária que receberia a vacina. Quando ele me chamou para palestrar no dia 8 de março deste ano, o prefeito Arthur Neto também se sensibilizou.
EM TEMPO – Porque a faixa etária de 11 a 13 anos?
MB – Porque têm que ser as meninas, de preferência as que presumivelmente não tiveram relação sexual. Nós sabemos que muitas delas já tiveram e mesmo as que já tiveram podem ser prevenidas. Mas, tínhamos que escolher uma faixa etária. Se fosse possível, vacinaríamos dos 10 até 20 anos, mas a vacina é cara. Mas qualquer mulher pode fazer.
EM TEMPO – Qual a meta do governo, o período da campanha e as estratégias para alcançar o objetivo?
MB – A meta é vacinar 120 mil meninas e o período é por fase, conforme as três doses. A primeira, começou no dia 9 deste mês e vai até 30 de agosto; a segunda será do dia 10 de outubro até dia 30 de outubro e a última de 10 de fevereiro de 2014 ao dia 28 daquele mês. Os pais têm que conversar com suas filhas e as escolas têm que fazer a sua parte. O poder público tem feito a sua parte na divulgação também e isso com certeza é muito importante.
EM TEMPO – Como é transmitido o vírus do HPV?
MB – O câncer no colo do útero é uma doença sexualmente adquirida porque o HPV é uma doença sexualmente transmissível, e é a mais comum no mundo inteiro. Tem um crescimento muito lento, leva de 10 a 15 anos. A cada dois minutos no mundo morre uma mulher com esse câncer e aqui no Amazonas, só no ano passado, foram registrados 650 novos casos e 196 mortos. Para contrair o vírus, não precisa se consumar a relação sexual. Basta, por exemplo, os namorados, na brincadeira se esfregarem. Se um dos dois tiver contaminado, o outro será contaminado. Temos dados de que 45% das adolescentes já têm o HPV antes de começar a transar. Isso são estudos publicados, não sou eu que falo. O HPV é responsável por cerca de 99% dos casos do câncer.
EM TEMPO – Surgiram algumas críticas de que esta vacina não é eficaz. Fale um pouco sobre isso.
MB – Essas pessoas que dizem que a vacina é obsoleta são desinformadas. Antes, as pessoas nem falavam em HPV. Eu fui à Câmara Municipal de Manaus (CMM) na segunda-feira passada, dia 12, porque a primeira-dama me chamou por conta de comentários desse tipo. Isso é uma questão de política. Teve licitação e foi muito clara em minha opinião. Quero finalizar dizendo que a gente pode, sim, erradicar o câncer do colo uterino no Amazonas. É um câncer 100% evitável. Enfatizo que essas gerações estão ganhando de presente essa vacina e é claro que precisamos melhorar nosso preventivo, qualificar mais nossos profissionais. Vamos juntos erradicar esse câncer, a palavra de ordem é prevenção.