Manaus, a Copa e os ingleses.

Por Marcelo Ramos:

Meu marqueteiro imaginário diz que, quando a opinião de um político contraria a maioria, deve ele se calar. Meu amigo real e sempre cuidadoso comigo, ao dizer “Calma, Marcelo Ramos”, lembra que, antes de dizer alguma coisa, o político deve sempre pensar o que ele ganha com isso e, se não ganhar nada, melhor não dizer.

Lá vou eu, teimoso que sou, enlouquecer o marqueteiro imaginário e contrariar o amigo cuidadoso com as minhas rabugentices. Vamos lá!

É sério que parcela do povo de Manaus está indignada nas redes sociais porque os ingleses andam dizendo que Manaus é muito quente, úmida, violenta e tem muita pobreza?????

Se for, desculpem. Eu moro na Suécia e não sabia. Hoje vou até ligar o aquecedor, dormir de cachecol, e nem trancarei a porta de casa, só pra provar para os boçais dos ingleses que eles estão errados!

Perai, gente! Manaus é uma cidade maravilhosa. Aqui eu nasci, vivo, trabalho, crio meus filhos. Por motivos profissionais, já morei em São Paulo e em Brasília, mas sempre voltei pra Manaus porque aqui quero viver e aqui vou morrer. Mas, desculpem os indignados, Manaus é sim muito quente, úmida, tem índices de violência alarmantes e índices sociais lastimáveis!

Manaus tem média de 32 graus com umidade relativa do ar na casa de 84%. Esportivamente, não é o ambiente ideal para alguém jogar um partida de futebol as 14h – até as nossas peladas aqui começam as 16h. E manifestar esse incomodo não é nada demais. Os brasileiros também não se sentiriam confortável de jogar na altitude de Santa Cruz De La Sierra ou no frio da Sibéria. E isso não desmerece nem Santa Cruz De La Sierra, nem a Sibéria e muito menos faz nossa Manaus menos bela e agradável.

Quanto à violência, foram os nossos governantes, e não os ingleses, que fizeram de Manaus a 52a.cidade mais violenta do mundo e a campeã nacional em número de homicídios por 100 mil habitantes.

Também foram os nossos governantes, e não os ingleses, que fizeram do Amazonas o 4º Estado com maior número de miseráveis do país, com mais de 640 mil pessoas vivendo abaixo na linha da pobreza.

Ai, quando vejo, estamos todos indignados com o fato de os ingleses terem dito que Manaus é quente, úmida, violenta e tem muita pobreza. Imagino os responsáveis por tudo isso – aqueles que governam o Amazonas há mais de 30 anos – rindo da nossa cara e ainda fazendo o coro de indignação contra os ingleses.

Aos que se sentirem contrariados com o meu texto, proponho um trato, ao invés de nos indignarmos pelas redes sociais, vamos mostrar aos ingleses que eles estão errados! De agora em diante, vamos sair na rua de casaco, remarcar nossas peladas para 14h, dormir de porta aberta e suspender o Bolsa Família no Amazonas, afinal, somos ricos, seguros e ainda temos um friozinho pra curti no mês de junho.

Sou um defensor contumaz do Amazonas e de Manaus, mas a melhor forma de defender nosso Estado não é com essa falsa indignação. Defender o Estado é lutar para diminuir a violência e a pobreza. É reconhecer que somos belos, fortes e deslumbrantes, mesmo com o nosso calor intenso e com a nossa umidade relativa do ar elevada.

Incomoda-me muito perceber que nessa cidade a imprensa, políticos e grande parcela da população calam-se diante de um endividamento de R$ 600 milhões para construir um estádio que custará R$ 500 mil/mês de manutenção (o custo de uma escola de tempo integral por ano – R$ 6 milhões), conformam-se com o fato de que nenhuma obra de mobilidade urbana foi executada e o povo continua sofrendo nas paradas de ônibus, conformam-se em sermos a 52ª cidade mais violenta do mundo e a campeã nacional em homicídios por 100 mil habitantes. Mas indignam-se histericamente quando alguém fala que Manaus é muito quente.

Mas o errado devo ser eu que não estou nem ai quando dizem que aqui é muito quente porque é mesmo! Mas fico puto quando os que governam há mais de 30 anos permitem que sejamos uma cidade campeã de homicídios e de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza.

A Manaus que vivo é quente úmida sim! Por vontade de Deus. É belíssima por sua natureza. Mas também é violenta e pobre, não pela vontade dos ingleses, mas pela vontade dos políticos que aqui governam há 30 anos.