HÁ DÚVIDAS DO QUE FALA O POVO NAS RUAS?

Por Alexandre Navarro:

ALGUMAS IDEIAS PARA REFORMA POLÍTICA, ACCOUNTABILITY E AMPLIAÇÃO DE INSTRUMENTOS DE DEMOCRACIA SEMIDIRETA

  Nos derradeiros momentos do império brasileiro, para lá de enrijecido em suas estruturas públicas, sem sistema partidário e com um cansado Poder Moderador, incapazes, todos eles, de atender às demandas de cafeicultores paulistas e da crescente classe média urbana, inobstante recuperação econômica por meio da produção cafeeira, principal produto de exportação brasileiro, após longa recessão, Dom Pedro II, alienado dos problemas nacionais, se segurava em um parlamentarismo às avessas.

Enquanto na Inglaterra o Legislativo nomeava o primeiro-ministro, no Brasil o Imperador escolhia o Conselho dos Ministros e, ao mesmo tempo, o destituía. O liberal Góis e Vasconcelos havia sido por três vezes consecutivas, de 1862 a 1868, presidente do Conselho.

A renovação de quadros políticos – seja em forma ou consistência representativa -, ou de formas administrativas mais equilibradas, inexistia.

O próprio imperador titubeava na defesa de sua administração e em sua convicção imperial: “Eu sou republicano. Todos o sabem. Se fosse egoísta, proclamava a República para ter as glórias de Washington”, frase esta usada, quando da proclamação, pelo marechal Deodoro da Fonseca para convalidar o golpe republicano e enfrentar, como menos dor, sua devoção ao Imperador e gratidão ao Império. Bueno (2003) lembra a amizade pessoal do marechal por Dom Pedro II: “Devo-lhe favores”.

Valladares (2009) resume: “muitos movimentos, com ou sem a participação popular, precederam a proclamação da República. Quase todos se inspiraram no Iluminismo e na Independência dos Estados Unidos para contestar o poder imperial”.

Ora, é necessário fazer muitas leituras epistemológicas e ontológicas acerca das pessoas, reler estudos sociológicos e antropológicos ou até mesmo chamar a alta burocracia para tergiversar e tentar entender as idiossincrasias de quem está na rua, reclamando?

Nada, basta olhar os cartazes. É o fim de um ciclo sócio-político, caquéticos, do século passado.

Estamos em plena Revolta do Vintém, sublevação popular ocorrida oito anos antes do réquiem do Império pelo acréscimo de “míseros” 20 réis (um vintém) à passagem cobrada pelo transporte de populares em bondes com força semovente.

Diferentemente daquele tempo, os burros – inclusive este que vos fala – que conduziam os coches agora estão protegidos em gabinetes e motorizados, e não há, por ora, uma figura que lidere a marcha.

Sobre esta manifestação, ocorrida em janeiro de 1880, Graham (1991) faz uma regressão: “Desde 1850, durante várias décadas, a política do segundo Reinado constituiu o domínio de uma elite socialmente coesa e essencialmente segura de si mesma, embora geograficamente dispersa. A vida política consistia exclusivamente na ocupação de homens poderosos agindo em nome daquilo que eles, sem hesitação, classificariam como o interesse comum. No parlamento, eles podiam discordar acirradamente; contudo, suas diferenças revestiam-se do sentimento confortador de que os assuntos políticos seriam conduzidos e limitados por regras, que todos eles aceitavam …… Diante deste requintado acordo, o grande público podia surgir como espectador ou como comentarista, mas não como participante ativo.” (grifo inexistente no original)

Não deu outra, no primeiro dia de cobrança, o movimento, originalmente pacífico e com aglomerações espontâneas, reuniu no centro da capital todo tipo de gente, inclusive a “tropa barra-pesada do Centro e da zona portuária”, como lembra o historiador José Murilo de Carvalho. Sem gás lacrimogêneo, spray de pimenta ou bombas de efeito moral a polícia, truculenta e armada, baixou cassetetes e atacou com espadas o povo. Como resposta, a massa provocou espancamentos, arremessou paralelepípedos e pedaços de trilhos, virou bondes, saqueou e quebrou lojas e o que destruiu o via pela frente, patrimônio público inclusive. Um inferno: três mortos e diversos feridos, sem contar os coitados dos burros que foram esfaqueados pela turba.

Como discutido, dialeticamente, no “18 de Brumário de Luís Bonaparte”, a história sempre se repete com personagens e fatos identificáveis, como farsa e tragédia. Naqueles idos, quatro dias antes da balbúrdia, cinco mil pessoas, sob o comando do jornalista José Lopes Trovão, um republicano contestador, reuniram-se no Campo de São Cristóvão, próximo ao Palácio Imperial, para entregar uma petição ao imperador, requerendo que ele revogasse aquele imposto “iníquo e vexatório”, cf. Graham (p. 216).

Embora alarmados, a resposta das autoridades foi imediata. Sob ordens do chefe de polícia municipal, Felix José da Costa e Silva, uma linha de cavalaria e mais policiais empunhando cassetetes avançaram sobre as pessoas. A aglomeração foi desfeita, sem distúrbios. Dom Pedro II “acabou relegado a um papel secundário. Embora nenhum chefe de estado pudesse abrir as portas de sua residência pessoal a 5000 manifestantes, ele não soube desde o início agir, de forma pessoal e firme, preferindo apoiar-se na força armada, ao invés de tomar iniciativa e encontrar-se com uma delegação do movimento” (Graham, p. 217, grifo inexistente no original).

Embora solicitada o revogação do imposto, até pelos próprios diretores de companhias de bondes, em abril de 1880, apenas em 5 de setembro o governo o suspendeu. Mas antes o povo já havia deixado de pagá-lo. Resultado ou não deste período, em 1881 foi aprovado o projeto do senador José Antonio Saraiva de reforma eleitoral, limitando o poder do imperador, estendendo o sufrágio aos cidadãos naturalizados, aos não católicos e aos libertos, a chamada “Lei Saraiva”, que teve o apoio de figuras como Saldanha Marinho, Joaquim Nabuco e Otaviano de Almeida Rosa. Anos mais tarde teríamos a abolição da escravatura (1988) e a instauração da República (1989).

Uma década, pois, de muitas transformações.

Como ressalta a adaptação da frase do filósofo espanhol Santayana y Borrás (A vida da razão, 1905), aliás melhor a emenda que o soneto, “Aquele povo que não conhece o seu passado está condenado a repeti-lo”.

Bom, feito este resumido prolegômeno, apresento a vocês, velhos de trincheira, algumas ideias para serem pensadas, escritas sem muito estudo, em 45 minutos, fruto de coisas que tenho na cabeça há muito tempo.

Sei, pois conheço a política, os partidos e os políticos sobremaneira, e julgo ser, até que algum gênio invente outra forma, a única forma de materialização e de organização das demandas sociais – embora na ambiência de uma democracia que só atende quem têm algo a perder (também não há outro modelo, por hora), e exatamente por isso que estou em um -, que o proposto abaixo é de difícil aceitação. Mas se o Partido Socialista sonha, em algum dia, talvez brevemente, em liderar mudanças estruturais na sociedade brasileira, tem que encarar novidades. Se não, será mais um no meio de muitos. Todos iguais. Destes, o povo já está de saco cheio.

Alguns xingam e expõem cartazes. Outros partem para bandalheira e arruaça. Estas pessoas precisam de respostas.

Vamos quebrar este rito. Até porque acho que somos – na nossa representação maior – francos atiradores.

Não há o que perder.

Aliás, atualizando o e_mail de ontem: PEC para constituinte exclusiva?

Até pode. Mas para quê?

Encaminhe a PEC propondo o plebiscito com as perguntas já postas.

Com prazo, inclusive, para o CN traduzir, materialmente (leis e ECs), as decisões emanadas do povo.

 PARA DISCUSSÃO

1. Criação da Comissão de Legislação Participava Mista e ampliação de seus poderes, passando a funcionar como Comissão Especial conjunta, dando pareceres constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa e de mérito, inclusive para leis complementares, emendas constitucionais e emendas ao orçamento geral da União:

1.1. Manter iniciativa de entidade organizada qualquer para leis ordinárias e proposições legislativas com votação simbólica;

1.2. Limitar a apresentação de LCs, PECs e emendas ao orçamento às entidades descritas no art. 103, incisos VII e IX da CF;

1.3. Tramitar com prazo de urgência constitucional, votação em sessão conjunta, travando a pauta do Congresso 45 dias após a decisão na Comissão, caso não decidida;

2. Ampliação das consultas populares, plebiscito, referendo e iniciativa popular:

2.1. Instituir o instrumento da petição popular estadual, municipal e federal (motivadas com 1% do eleitorado federal ou estadual e 10% municipal) para consultas de plebiscito. Na Suíça, 100 mil pessoas elaboram leis para voto da assembleia. Rejeitada, novamente o povo pode questionar esta decisão (arts. 138-142, Constituição Suíça). Na Itália, além da proposição,  200 mil propõem referendo para rejeitar ou aprovar decisão legislativas (arts. 71 e 75);.

2.2. Inobstante a ampliação prevista no item 1, manter o princípio da iniciativa (art. 61, § 2º, CF), com 1% da eleitorado nacional, mas ampliar para LCs e PECs;

3. Utilização dos recursos do Fundo Partidário por meio de Cartão de Pagamento, com nome e Cadastro de Pessoa Física vinculado. Implantar este sistema, igualmente, para as oito entidades do Sistema S, bem como para as chapa branca ABDI, APEX, ANATER, Santas Casas, organizações sociais – OS, entidades de direito privado (ONGs e OSCIPs) e repasses fundo a fundo (64% das prisões por desvio de recursos púbicos) que recebam recursos públicos de custeio (GND 3) executados com dispensa ou inexigibilidade de licitação;

4. Implantar voto distrital misto: metade lista partidária fechada e metade distrito:

4.1. Instituir recall para os eleitos pelo voto distrital motivado por petição de, no mínimo, 1/2 dos eleitores inscritos do distrito;

4.2. Ampliar participação feminina nas listas: até a décima posição, intercalados homem e mulher, podendo ser um ou outro o primeiro, a critério da direção local;

4.3. Para eleição majoritária de senador, passar a ter chapa (um homem e uma mulher), alternando-os ao final dos primeiros 4 anos, limitando esta chapa, ou postulantes individuais em outras chapas, a dois mandatos (máximo de 8 anos para cada, então);

5. Recuperar cláusula de barreira, derrubada pelo Supremo (5%);

6. Limitar número de mandatos de vereadores, deputados estaduais, federais e senadores a três:

6.1. Coincidir eleições municipais, estaduais e nacionais, prorrogando o mandato dos atuais prefeitos e vereadores para 2018;

6.2. Eliminar suplentes de senadores, tomando posse, no caso de ausência, o segundo mais voto na eleição majoritária;

7. Quando da assunção de cargo executivo por detentores de mandato, este deverá abdicar do mandato;

8. Eliminar qualquer tipo de votação legislativa fechada (vetos, eleições, perda de mandato etc);

9. Reconfigurar a Comissão Mista de Orçamento, que passaria a ser apenas sistematizadora das propostas oriundas das Comissões Temáticas e de Legislação Participativa Mista:

9.1. Eliminar emendas coletivas e estruturantes, de senadores;

9.2. Implantar orçamento impositivo com 50% para emendas individuais escolhidas dentre projetos definidas no PLOA pelo Executivo (PBSM e PNDR, art. 4o, PLDO 2014) e outros 50% de caráter político discricionário, reduzindo o montante atual para 2/3 de seu valor (R$ 10 milhões) totalizando 5,94 bilhões (0,13% do PIB, ou seja, nada);

9.3. Estabelecer montante (5% do total das individuais, R$ 295 milhões) para aprovação de emendas ao orçamento oriundas das entidades inscritas no item 1.2, com caráter impositivo, igualmente;

10. Disponibilizar declaração de bens na rede mundial de computadores de todos os ocupantes de cargos eletivos e públicos (8.112 ou não) quando da investidura neste, incluindo familiares até o primeiro grau (sanguíneo e por afinidade), além das pecúnias já disponíveis:

10.1. Limitar efetivamente recebimentos de agentes públicos ao teto constitucional (art. 37, XI, CF) vinculando a este limite todos os recebimentos de fonte pública (contraprestação em conselhos de estatais, auxílio alimentação, aposentadorias e pensões, horas extra etc);

10.2. Promover substituição gradual do PGPE por carreiras (máximo 8 anos);

11. Aprovar a regulamentação do lobby;

12. Criar regra de transição, fazendo viger estas propostas a partir da eleição de 2018.

PS: já foi proposta alteração das formas de distribuição de FPE e FPM. Leiam-na.