Gilmar X Lula: Perguntas que sobram

Por Tereza Cruvinel:

Suponhamos que, no encontro do dia 26 de abril entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro Nelson Jobim e o ministro Gilmar Mendes, do STF, tudo tenha se passado exatamente como  este último relatou à revista Veja, embora os outros dois neguem tratativas sobre o processo do chamado mensalão e a oferta de blindagem ao magistrado na CPI do Cachoeira, por parte de Lula, em troca do adiamento do julgamento.    A execração do ex-presidente foi imediata, por parte dos que tomaram a narrativa do ministro como verdade indiscutível.   Falta perguntar , porém,  se a conduta de Gilmar, como magistrado da corte suprema, foi correta. Manteve ele o decoro que deve ser exigido não apenas dos parlamentares e dirigentes do Executivo?  Foram observados os preceitos do Código de Ética da Magistratura Nacional, instituído em 2008 por Resolução  baixada por ele mesmo,  quando era  presidente do STF, e por decorrência, do CNJ? Tal Código determina que o exercício da magistratura seja norteado “pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.”

Manda o Código que o magistrado, buscando sempre a verdade nas provas, mantenha “distância equivalente das partes e evite todo tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.   Mas Lula não é réu no caso do mensalão e por isso o encontro em si não foi aético ou indevido, como alguns disseram.   Manda ainda o Código que o magistrado denuncie todas as tentativas de cercear sua independência.  Supondo que Lula o tenha mesmo pressionado, oferecendo proteção política em troca da postergação do julgamento,  o ministro indignado procurou imediatamente seus pares para relator o ocorrido, de modo reservado, pautado pelo decoro?  Aqui, cabe ainda outra pergunta: Se Lula, tendo perdido todo o tino político, estava disposto a enfiar o pé na jaca para cooptar ministros do STF, por que não começou pelo ministro Levandovski, que na condição de ministro revisor é quem, de fato, tem poder para ditar o timing do julgamento?   Gilmar disse ter comentado com alguns colegas, só informalmente, antes de fazer o relato a Veja.

Exige o Código que os magistrados sejam  contidos na relação com os meios de comunicação, evitando a autopromoção e a busca de reconhecimento,  e mantendo  reserva quanto aos processos em curso.  E ainda que façam uso de “linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível”.     É pródigo em vedações sobre condutas e obtenção indevida de vantagens e benefícios.   Se a viagem para Berlim foi paga pelo próprio STF (parcialmente, tendo o ministro comprado bilhete complementar com dinheiro próprio), a carona em jatinho para Goiânia não seria uma infração? Gilmar foi coerente com o Código que baixou?

Mas supondo sempre que tudo ocorreu como relatou o magistrado,  constatanos que pelo  menos uma acusação sem provas ele fez a Lula, a de que estaria espalhando boatos sobre seu suposto envolvimento com Demóstenes/Cachoeira.  E ainda outra, a de que o delegado federal aposentado  Paulo Lacerda estaria assessorando Lula e o PT com a missão de destruí-lo, a ele Gilmar. Lacerda, sabemos, deixou a ABIN  no Governo Lula após ser acusado por Gilmar de ter grampeado conversa sua com o senador Demóstenes. O áudio nunca apareceu e ficou por isso mesmo.    Disse ainda o magistrado que Lula estaria a serviço de “bandidos”, “gângsters” e “chantagistas” interessados em “melar o julgamento”,  “arrastando o Judiciário para a vala comum”, “criando uma crise no Judiciário”.    Não é preciso usar toga para concluir que um grande mal foi feito à imagem do Supremo pelo ministro Gilmar ao acender esta fogueira, na qual fez crepitar também informações nocivas a si mesmo.  Há uma estranha irraciionalidade em tudo o que ele fez.  Ou foi um surto, ou há muita água turva neste caso.