DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA

Por Paulo Timm:

“Além do problema do medo, que eu chamo de Síndrome de Jango, há também uma relação de amor e ódio entre nossos políticos – incluindo aí sindicalistas também – e a mídia tradicional. Odeia (os grandes veículos), mas quer aparecer (neles). E há também uma relação de subalternidade. Acham que esses comentaristas da Rede Globo, por exemplo, são pessoas importantes que, apesar de tudo o que falam, merecem grande respeito do governante. Odeiam quando são atacados, mas bajulam porque acham que é importante ter o respaldo desses meios.”

Laurindo Leal Filho in “Na prática, democratização da mídia já está ocorrendo no Brasil”- www.sul21.com.br

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Comecei a manhã brigando com meu conterrâneo, Dr. Franklin Cunha, quem ontem tomou posse na Academia Rio Grandense de Letras com um vigoroso discurso em defesa do livro e reticência sobre a informação digital. Fui inoportuno. Num momento de grande regozijo de todos os seus amigos, não lhe deveria contrariar. Vá o feito! Fi-lo. Agora é tocar pra diante. Principalmente porque minha atenção, hoje, é a respeito da democratização da mídia no Brasil. Como qualquer inovação tecnológica, desde o fogo até a manipulação genética sobre o próprio Homem, a telemática encerra e reconcentra Poder. O primeiro pithecantropus que segurou a tocha flamante, não obrou ao acaso. Ele, certamente, já era um forte na horda errante e deve ter consolidado seu Poder com o artefato. Desde então, são estruturas dominantes que se apoderam das inovações em benefício próprio. Mas por  quê, então, não retrocedemos às cavernas¿ Porque, o progresso técnico eleva a produtividade do trabalho, gera estruturas sociais e institucionais cada vez mais complexas, cria e desenvolve a cultura e aí  surge o que denominamos civilização. Esta não elimina as cadeias de Poder, seja no nível interno às sociedades, ou na escala global. Mas, é o que ensina a socióloga  Saschia Sachen: cria mecanismos de defesa dos dominados. Um exemplo: Hoje, é possível a qualquer cidadão do mundo fazer uma denúncia ao Tribunal dos Direitos Humanos da ONU, caso venha a ser objeto de algum crime capitulado neste campo. As superestruturas ideológicas que cimentam a ordem social contemporânea tampouco são impermeáveis, sendo a Educação uma de suas mais importantes brechas. A proclamada Indústria Cultural, tão analisada pelos teóricos críticos da Escola de Frankfurt, também se articulam aos aparatos ideológicos, mas o fazem mediante a abertura de imensas e arborizadas avenidas, sob cuja sombra se aninham as artes, o jornalismo honesto e divulgação científica. Sintoma disto é a emergência de um marxista como Slavoj Zizeck na mídia do mundo inteiro. Recentemente no Brasil, disse ele, respondendo à indagação se não se preocupava de ser usado pela mídia capitalista como uma espécie de showman: “ – Não me preocupo de ser tomado como palhaço por muita gente. Preocupo-me, sim, em poder chegar às pessoas para que elas pensem”. Não poderia haver melhor exemplo…

No Brasil, entretanto, como em quase toda a América Latina, o lento processo de democratização de nossas sociedades cristalizou poderosos veículos de mídia que operam como formadores de opinião conservadora. Detêm,  tanto pela tradição, como pelo poder econômico , grande audiência, que lhes garante sólida posição no mercado, graças a uma legislação de 1962 que sequer é cumprida à risca:

E, para piorar e não menos importante, há também no Brasil uma grande concentração dos meios de comunicação. Umas poucas famílias – é possível contá-las nos dedos das duas mãos – e a Igreja Universal controlam a chamada “grande mídia”: as principais emissoras de tevê com rede nacional, as rádios de maior alcance e audiência e os principais jornais.. E o pior: recentes pesquisas mostram que a concentração tem aumentado em vez de diminuir.

A legislação que rege o setor tem mais de cinqüenta anos, é desatualizada e insuficiente, data de 1962. E ainda por cima não é cumprida. Dois breves exemplos. Primeiro: a lei proíbe que detentor de cargo público, eletivo ou não, seja sócio ou proprietário de empresa concessionária de serviço público. Um terço dos senadores, mais de uma centena de deputados federais e estaduais e centenas de prefeitos são proprietários ou sócios de emissoras de tevê, rádio ou jornais. Segundo: um exemplo local. A lei proíbe que uma mesma empresa concessionária tenha mais de duas emissoras de tevê num estado. A RBS de Santa Catarina tem seis. O Ministério Público Federal há vários anos encaminhou denúncia ao poder judiciário e a coisa deu em nada.

Seis famílias – Marinho, Abranavel, Saad, Civita, Frias e Mesquita – e uma igreja, a Universal, formam um oligopólio que controla mais de 90% da audiência de tevê no Brasil. A Globo é a segunda maior rede de TV comercial do mundo e atinge 98,5% do território brasileiro. Já a Record é a oitava maior rede de televisão do planeta. As seis famílias e a Igreja Universal são proprietárias dos dez maiores jornais, das revistas de circulação nacional com maior tiragem e, também, das principais emissoras de rádio do país

(Paulo Muzell – A democratização da mídia)

http://www.sul21.com.br/jornal/2013/07/a-democratizacao-da-midia/

 A tal ponto é o poder da Grande Mídia que, um Governo supostamente de esquerda, vê-se na contingência de aplicar neles  vultosos recursos de publicidade, num paradoxo que um analista bem definiu: Governo gastas milhões com seus detratores:

Governo Dilma aplica 70% da verba publicitária na imprensa conservadora e veta jornal independente

Por Paulo Roberto de Souza – do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília

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Lógico que não cabe à Imprensa elogiar o Governo. Elogio na Imprensa, só como publicidade mesmo. O papel de Imprensa é investigar, denunciar, mostrar as diversas opiniões sobre um mesmo fato. Mas não é isso que acontece no Brasil. Aqui abunda o jornalismo de opinião na grande mídia, em que além dos âncoras, só comentaristas conservadores são convidados como “ especialistas” que confirmam com argumentos de autoridade as opiniões correntes. Ora, isso é um absurdo. Não temos, rigorosamente, um jornalismo autônomo, independente, diversificado. Trata-se, sempre, do mesmo ou, o que pior, do nada. Colho, aleatoriamente , este depoimento no Facebook:

ALGO DE ERRADO NA MÍDIA

Vinicius Souza

Outra hora defenderei esta tese: democratizar o direito à informação está ao nosso alcance. Podemos parar de deblaterar contra a mídia de massa. Todos sabem que é parcial.

Ontem resolvi ver o Jornal Nacional, que há tempos não assistia. Com a capa da IstoÉ dessa semana mostrando um escândalo de bilhões de reais passando por três governadores do mais rico estado da nação, por mais de 20 anos, alguma coisa tinha de sair. Mas o que vi foi uma matéria sobre um suposto desvio de 1,5 milhão na Paraiba, ha anos. Requentado pra dizer que o Duda Mendonca (marketeiro do Lula) teria recebido alguma coisa desse valor. Tentei a Band, a Cultura, perdi a maior parte do jornal da Record, mas tb nao vi nada. Ontem e hoje, assisti a vários trechos dos noticiarios da Band News, da Globo News, da Record News, e nada. Processos em vários países, dezenas de executivos indicados pelos governadores denunciados, participantes do esquema fazendo acordos de delacao, e nada nos jornais. Carteis internacionais, paraisos fiscais, lavagem de dinheiro, e nada nas TVs. Ouvi bastante a CBN e a Band FM na sexta, e nada. Matéria interna da Veja sobre o AfroReggae valeu varios minutos no JN, mas a capa da IstoÉ falando de corrupção no setor de transportes na mais importante cidade do Brasil (tema do inicio da manifestações de Junho), nada. Nas paginas iniciais e tb nas de política da Folha e do Estado de hoje, nada. Sou eu ou tem alguma coisa errada aí???

http://www.istoe.com.br/reportagens/315089_O+ESQUEMA+QUE+SAIU+DOS+TRILHOS?pathImagens&path&actualArea=internalPage

 É precisamente esta situação, de virtual monopólio de Grande Mídia em vários de nossos países que tem levado à confrontos de governos de esquerda com os proprietários destes veículos. No Brasil, só  a Globo controla 470 retransmissoras, fato que escandalizaria qualquer especialista ocidental caso isso viesse a ocorrer nos seus próprios países.

O assunto esteve na ordem do dia, no início do Governo do PT, em 2003 e chegou a desembocar na realização de uma Conferência Nacional que apontou para a necessidade da democratização da mídia no Brasil. Lamentavelmente, o assunto morreu, particularmente no Governo Dilma Roussef, tendo o Ministro Bernardo à frente do Ministério das Comunicações. Ontem, em encontro nacional dos movimentos sociais, em avaliação da conjuntura, levanta-se , mais uma vez o clamor:

A coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária nacional da Central Única dos Trabalhadores, Rosane Bertotti, também condenou os leilões: “como é que podem não ver a gravidade do que está acontecendo?”

PARA EXPRESSAR A LIBERDADE

Diante da magnitude da batalha pela hegemonia e a disputa sobre os rumos do país, Rosane defendeu a campanha “Para expressar a liberdade”. “O eixo que permeia nossa campanha é o fim do monopólio e o fim da propriedade cruzada”, explicou, denunciando o fato da Rede Globo dispor de 340 canais e retransmissoras de televisão, além de rádios, jornais, revistas e portais de internet para defender o ponto de vista das transnacionais, do sistema financeiro e do agronegócio.

Rosane, que também integra a direção operativa da CMS, condenou o Ministério das Comunicações por retroceder na agenda deixada pelo governo Lula, em particular no que diz respeito ao Plano Nacional de Banda Larga, que “com Paulo Bernardo virou o plano das teles, que o elegeram homem do ano”. O mesmo ocorreu em relação ao conjunto de diretrizes democratizantes apontadas pela Conferência Nacional da Comunicação (Confecom), que foram engavetadas. “Infelizmente, esta não é uma prioridade do governo Dilma. Mas nós estamos aqui para dizer que se a lei não vier pela mão de quem deveria garantir esse direito humano, virá pelas mãos do povo brasileiro”, frisou.

Por sorte, porém, como disse acima, é a tecnologia digital que está rompendo este cerco da informação no Brasil, graças à proliferação de Blogs e Sites de Jornalismo Cidadão, que nos brindam com o que Laurindo Leal Filho, em entrevista hoje no Sul 21 (epígrafe) como o Pós-Tv.  É tão significativo o aparecimento desta mídia alternativa que nada menos do que 74 blogueiros foram assassinados nos últimos anos no Brasil, em razão de suas denúncias. É um fenômeno novo, pouco captado ainda pelo Sistema Político, inevitavelmente povoado por pessoas de mais idade, com pouca afinidade com as mídias eletrônicas. Esta Pós-TV, pós jornalismo, hiper informação, entretanto, oferece, hoje as melhores análises da realidade brasileira e se tornam imprescindíveis a quem queira compreender o que realmente acontece no país. Elas não substituem os canais de TV, principais veículos de informação, que nos Estados Unidos, com alto nível de acesso à INTERNET, ainda representa 75% do acesso à notícias pela cidadania. Mas é alentador que aí ela desenvolva a própria luta pela democratização da mídia. Quem viver, verá…