A Guerra do Leblon

Por Roberto Amaral:

Para a imprensa, na sociedade de classe, pimenta no dos outros é refresco. Festejado e ilustre colunista do grande matutino carioca, acha que, “desta vez, as coisas foram longe demais”. Porque chegou ao Leblon. O que foi mesmo que chegou?

O Leblon foi atacado covardemente, crianças teriam sido atingidas por gás pimenta em suas camas, quando dormiam guarnecidas pelo ar-condicionado. “Isso já foi longe demais”, diz. Remanescentes do movimento que contagiou as ruas da cidade permaneciam acampados nas imediações do apartamento onde reside o governador do Rio, Sérgio Cabral, aquele das festinhas em Paris e da dança com guardanapos na cabeça.

O que reivindicavam? Diálogo.

O governador resolveu atendê-los, na madrugada de três dias passados, e mandou seus representantes: a Polícia Militar com seus cassetetes, gás de pimenta, e gás lacrimogênio e outros recursos de uso comum contra as populações pobres. O governador escolhera a madrugada fria, com a praia do Leblon vazia, para fugir do registro da imprensa e de outras testemunhas. Cometeu um erro crasso: Leblon, e ele mora ali há anos, não é zona oeste, nem zona norte, nem subúrbio, nem favela: é zona sul, e lá mora a classe-média alta da cidade! Lá, não pode. Felizmente não pode. Infelizmente ‘lá fora pode’, na favela da Maré, por exemplo, onde, poucos dias antes, sob o pretexto de estar perseguindo bandidos infiltrados nas manifestações, a PM de Cabral matou nove pessoas. Isso pode. Ou, pelo menos, isso não arrepia os sentimentos humanistas da grande imprensa. Lê-se na coluna do jornal o justo protesto do colunista:

“ Sem meias palavras, o clima do Rio de Janeiro é de convulsão social. Leblon é a meca da classe média brasileira. Claro que haverá troco”.

Os assassinatos na Maré e outras brutalidades que a polícia do Cabral vem praticando durante as manifestações, essas continuarão, porque o ‘povinho’ de lá, na sua maioria ‘crioulos’, ainda não pode ‘dar o troco’. Aliás, a alta classe-média já deu o lucro. Felizmente ela pode.

Famoso blogueiro transcreve, na edição de sábado, a nota da revistona:

“O Brasil descobre as viagens de Cabral, por VEJA
Enquanto o estado de São Paulo prepara venda de helicóptero, governador do Rio mantém sete aeronaves e usa modelo de luxo para se deslocar para o trabalho e viajar com família e empregados nos fins de semana”.