A economia sombria do tráfico humano

Alfredo MR Lopes (*)
Alfredo.lopes@uol.com.br

Que civilização é esta que comercializa pessoas, como se faz com mercadorias de uso e troca? Um negócio que alcança US$ 32 bilhões/ano, segundo a CPI do Tráfico Humano, onde o Brasil é destaque no ranking mundial e o Amazonas é o estado com maior ocorrência no país. Em Manaus, na área de Mercado Adolpho Lisboa, a Manaus Moderna, fica a área mais vulnerável para o tráfico de pessoas na cidade. Foi lá que a Arquidiocese de Manaus acendeu a luz da campanha “Fraternidade e tráfico humano”, convidando a debater essa tragédia, na meditação da Quaresma, o tempo de preparação para a Páscoa, a celebração maior da Cristandade. Como celebrar? Os dados são estarrecedores e reafirmam as sequelas do relativismo ético que descreve a Modernidade. Seu bordão debochado desconstrói valores e desmonta princípios essenciais da vida social. Como desfraldar nessa anomia  o estandarte da dignidade da pessoa humana, respeito às diferenças, solidariedade e justiça?  A escalada da violência e da corrupção são as primícias dessa egolatria, sucedâneo do consumismo desvairado, da iconoclastia de tudo que se refere à transcendência, o terreno sagrado que empresta sentido ao viver. Nunca foi tão temerário, mas  ao mesmo tempo tão necessário, alertar sobre os princípios da moralidade e da ética, ferramentas prosaicas de combate à contravenção em espiral.

E por que razão se situa na Amazônia a maior concentração das rotas continentais e globais dessa economia perversa?  Por que a maioria dos pacotes de viagem para a Copa da FIFA inclui sutil ou abertamente o turismo sexual? Por que nos portos fluviais da região  não há um sistema de controle efetivo para o transporte de passageiros menores de 18 anos. Por que as autoridades se omitem em relação a isso, como se omitem há anos com a rede de pedofilia que as organizações humanitárias e religiosas denunciam para o silêncio obsequioso dos donos do poder. Dos poderes, dos podres poderes de que fala o Poeta. O problema – que parece invisível no detector dos equipamentos públicos – está escandalosamente perto de nós e nos cobra tomada de posição. Além do mercado sexual, o tráfico humano comercializa órgãos, com uma tabela macabra e atraente para a rede perversa de crianças, jovens, mulheres, 65% das vítimas segundo dados da ONU. Aliciadores profissionais e a impunidade institucional são os ingredientes infalíveis dessa anomalia que se espalha como epidemia de dor, humilhação e depressão de milhões de pessoas, muitas delas bem próximas, abandonadas em sua vulnerabilidade à sina moribunda nas comunidades do beiradão amazônico, de onde seguem arrancadas para nunca mais.

O Amazonas recolheu aos cofres da União em 2013, mais de R$ 51 bilhões, 54% da riqueza produzida, segundo dados da Suframa, e recebeu de volta pouco mais de R$ 18 bilhões, sendo um dos 8 estados que recolhe mais do que recebe do Tesouro Federal, graças à economia da Zona Franca de Manaus. Apesar disso, temos 11 cidades entre as 50 piores do país em IDH, o índice de Desenvolvimento Humano da ONU. E somos um dos últimos em índices no ensino fundamental e médio e nossas universidades públicas ainda cambaleiam entre as piores do país. Nos estudos de impacto ambiental do gasoduto Coari/Manaus – ora acusado de desviar R$ 2,5 bilhões de seu custo – apareceu, há dez anos, a escabrosa incidência de exploração e tráfico sexual infantil, com trabalho escravo de adolescentes, entre outros indicadores da barbárie impune que setores da justiça, da classe política, acalentados pelo  silêncio da mídia parecem querer naturalizar…

(*) Alfredo é filósofo e ensaísta

Alfredo MR Lopes
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