A catraia de Heráclito

Por Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br

Desde os pré-socráticos, quando a dialética se impôs como premissa de compreensão do movimento – à luz da constatação de expansão do Universo – todos aceitam que nada está em repouso absoluto. Na catraia de Heráclito a realidade é o próprio movimento, panta rei, tudo flui. A comunicação instantânea e suas mutações tecnológicas, 25 séculos depois, são a própria configuração tecnológica dessa cosmologia profética. A Inércia, a Primeira Lei de Newton, é uma abstração pedagógica para remeter ao Movimento. Essa pontuação acadêmica é aqui invocada para meditar sobre as razões dos tropeços e retrocessos do movimento do Brasil na direção das nações civilizadas e entender a omissão generalizada em torno das expectativas de Ciência, Tecnologia e Inovação para a Amazônia, simbolizadas pelo CT-Amazônia, um Fundo Setorial criado, com recursos do modelo Zona Franca de Manaus, para movimentar novas cadeias produtivas relacionados a C&T&I, fortalecimento de  incubadoras de fibras vegetais, oleaginosas, fitoterápicos, entre outras, e sua interiorização, através da formação e capacitação de profissionais nas diversas áreas. O INPA, Embrapa, Ufam, UEA… não têm uma política de qualificação de tecnólogos para este fim.

Como Curupira sem GPS, simplesmente caminhamos para trás. Atores e gestores viraram brigadas dos próprios incêndios, atropelados pela burocracia vesga e arrogante, e pela  disputa doméstica da hegemonia política, em detrimento do movimento maior que compete a todos destravar. Fez água o ensaio entre INPA e Suframa, dois atores institucionais que buscaram partilhar objetivos, recursos e talentos para empreender a relação entre pesquisa e desenvolvimento. Vejam a novela CBA! 2014 será um ano em que nada avançou, portanto, regrediu nos desafios da pesquisa relacionada com empreendimentos focados em novas matrizes econômicas, não predatórias, atreladas à economia do polo industrial de Manaus e focada na emergência de novos estabelecimentos produtivos na Amazônia Ocidental.

O IPEA, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, numa avaliação do CT-Amazônia, de 2011, que é a mesma até hoje, reconhece que “…o aporte de recursos para os Fundos na região é muito pequeno e não fortalece um planejamento integrado de grande porte para o desenvolvimento científico e tecnológico e para sua etapa de inovação.” E denuncia o óbvio da desarticulação institucional que breca a participação e coordenação entre ministérios, governos estaduais, setores empresariais e sociedade. Ora, num volume anual que beira os R$ 1,3 bilhão, o CT-Amazônia deveria receber muitos recursos. A conclusão do IPEA constata uma ilegalidade, pois o aporte efetivo não respeita a destinação legal e transparente da Lei de Informática. A começar pelo mínimo de 0,5% do faturamento bruto das empresas que produzem bens e serviço de informática na ZFM, adicionados ao aporte de até 2/3 do complemento de 2,7% dos 5% do faturamento dessas empresas como opção de investimento. Somem-se recursos financeiros residuais, oriundos do não cumprimento dos percentuais mínimos fixados para investimentos em atividades de P&D na Amazônia, acrescidos de 12%, além de débitos decorrentes da não realização, total ou parcial, até o período de dezembro de 2003, de aplicações relativas ao investimento compulsório anual em P&D tecnológico na Amazônia. Sobram, pois, muitos recursos. Falta auditoria, vontade política e movimentação cívica para fazer a catraia de Heráclito sair do lugar.

(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.