Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br
“Apesar de tudo eu ainda creio na bondade humana.”, diz em seu Diário Anne Frank, essa adolescente iluminada, uma judia que experimentou a escuridão opressiva da discriminação nazista, sem perder a esperança do mundo mais fraterno, sem deixar arrefecer a própria fé na condição humana, ao se fazer alimentar pela semente do amor, a celebração da vida cujo impulso persiste em todos nós. “Amor é entender alguém, se importar, compartilhar as alegrias e tristezas”. Só por isso é oportuna, emblemática e atualíssima, a exposição Anne Frank, uma história para hoje, que o Comitê Israelita do Amazonas, tendo à frente Anne Benchimol, presenteou a Manaus durante todo o mês de agosto, no Manauara Shopping. Depois de passar por várias cidades do País, além de Brasília e Portugal, a exposição vem falar aos jovens, de idade e em espírito, para acender a luz cotidiana da harmonia e alumiar a cultura da paz. O momento que o Brasil vive pede reflexão intensa e mobilização fraterna por essa paz, pela tolerância, pelo respeito às diferenças, pela afirmação dos direitos humanos e exercício livre e efetivo da cidadania.
“Todo mundo tem dentro de si um fragmento de boas notícias. A boa notícia é que você não sabe quão extraordinário você pode ser! O quanto você pode amar! O que você pode executar! E qual é o seu potencial!”. A presença de Anne Frank entre nós, seu legado de esperança, sua crença na comunhão, na Democracia e na potencialidade das pessoas para a construção da civilização fraterna, nos convida a revisitar a saga de dois séculos do povo hebreu na Amazônia.O empreendedorismo dos Benayon Sabá, Benarrós, Benzecry, Assayag, Benchimol… em completa harmonia com sírio-libaneses, turcos, palestinos, gregos e troianos, precisa, pois, ser revisto e compreendido sob a ótica da obstinação atávica, paradigma de construção da prosperidade nos limites fecundos dos referenciais de cooperação e solidariedade, premissas essenciais de que hoje o mundo urgentemente precisa para construir o verdadeiro congraçamento da paz.
No livro Manaós-do-Amazonas, são listados pelo professor e pioneiro Samuel Benchimol, ele e seus irmãos, 41 produtos extraídos da floresta e que faziam a base da economia regional nos anos 1940 em diante, quando esses empreendedores, a despeito do marasmo econômico da Amazônia de então, consolidaram teimosamente investimentos robustos na região. Uma verdadeira empreitada de bons negócios da floresta. Farinha, cacau, castanha, borracha, malva e juta, óleos medicinais e cosméticos… são alguns carros-chefes das empresas que a saga de Abraão fez florescer a partir do almoxarifado de produtos naturais da Hiléia demandados pelo mercado internacional. O engenho e a arte hebraica para os negócios desembarcaram nos anos 1 950 na Companhia de Petróleo da Amazônia, de Isaac Sabbá, matriz de uma rede de terminais para distribuição do combustível que possibilitou o ensaio de integração da Amazônia com a vida econômica do país. Omnia vincit labor , o trabalho vence tudo, diria Virgílio, bafejado na floresta pela presença benéfica e generosa da congregação dos Salesianos, mostrou sua eficácia redentora.
As várzeas do Nilo foram berço e suporte material de muitas civilizações. Na Amazônia, tais projetos, devido à escassez demográfica, o rodízio entre o extrativismo e o cultivo racional, sempre disputaram mão de obra extensiva e esperam do poder público e órgãos de pesquisa as atenções e os recursos necessários à sua consolidação. As várzeas regionais são, pois, promessas densas de progresso e abundância. E são testemunhas da saga judaica de empreendedores regionais, seu DNA de qualidade, solidariedade e partilha de paz, o sucedâneo fraterno da prosperidade geral, insumos sagrados e inerentes desta Amazônia que se pode credenciar a uma nova Terra Prometida.
Em 1967, o Papa Paulo VI publicou a Populorum progressio (Progresso dos povos) uma carta famosa e polêmica, dedicada à cooperação entre os povos e ao problema dos países do Terceiro Mundo. O texto denuncia o agravamento do desequilíbrio entre países ricos e pobres, critica o neocolonialismo e direito de todos os povos ao bem estar, à liberdade e o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, incluindo o acesso à saúde, moradia digna e educação de qualidade. Sim, educação de qualidade, a única ferramenta capaz de promover a verdadeira transformação. Nesse contexto, a paz é a premissa de partilha do progresso, aqui entendido à luz da encíclica de Paulo VI. Os últimos números do IDH- Índice de Desenvolvimento Humano no Brasil, entretanto, denunciam o quanto ainda temos que caminhar para difundir e tornar efetiva a boa notícia de Anne Frank. O Amazonas, a sexta economia do Brasil, que teve taxas de crescimento econômico semelhantes à China nos últimos 20 anos, e arrecadará em 2013, algo em torno de R$ 13 bilhões de impostos, não tem um município entre as 50 melhores do país, mas tem 11 entre as piores. As taxas e contribuições apenas das empresas do Polo Industrial, R$ 2,3 bilhões, anualmente, se destinam especificamente para a pesquisa, desenvolvimento, turismo, cadeias produtivas e formação acadêmica e, apesar disso, o Amazonas está atrás de Rondônia, Roraima e Amapá no indicador educacional.O exercício da cidadania, da liberdade, da verdadeira Democracia, do combate à discriminação e opressão do analfabetismo, da exclusão, supõem a partilha, a distribuição equânime de oportunidades e os benefícios entre os potenciais construtores da prosperidade, sobretudo os benefícios da boa notícia educacional, educação de qualidade que assegura a vigência e a perenidade da capacidade e do potencial de cada um, a boa notícia da cidadania, por Anne Frank. “ A boa notícia é que você não sabe quão extraordinário você pode ser!”
(*) Alfredo Lopes é filósofo e ensaísta.