A AUSÊNCIA DO ESTADO BRASILEIRO É A CAUSA DA TRAGÉDIA NO SUL DO AMAZONAS.

Por força da minha atividade política já andei muito pelo Amazonas. Aí incluído o sul do estado, mais precisamente Humaitá, Santo Antonio do Matupi e Apuí. A tragédia que aconteceu lá nestes últimos dias com mortes de índios e brancos, para usar a expressão na moda, é o resultado da mais absoluta ausência do Estado brasileiro, no sentido mais amplo que a palavra “ESTADO” possa comportar, nos últimos 40/50 anos.

Começa pela decisão de cortar a Amazônia com estradas. Isso foi um grande equívoco, aí incluída a BR 319, paralela ao Rio Madeira. Na Amazônia, as estradas são os rios. Eles não precisam ser construídos, nem exigem manutenção. Quando muito precisam de sinalização. Lembro-me que quando a estrada BR-319 estava em construção uma única voz, isolada é bom dizer, se levantou e foi considerado “doido”. Foi o Evandro Carreira. Em Manaus era senso comum que a estrada seria a redenção. Não foi. O resultado mais relevante foi transformar a Andrade Gutierrez de média em grande empresa que sabia agradar aos nativos, a ponto de montar e patrocinar um time de futebol, a Rodoviária, para a qual importou um time inteiro de bons jogadores mineiros, inclusive, um técnico do nível do Martin Francisco.

Depois o INCRA pegou centenas de famílias gaúchas, paranaenses e catarinenses, as trouxe para o meio da selva, dando-lhes terra, mas nenhuma infraestrutura. É aí que nasce Apuí que virou município mais tarde e Santo Antonio do Matupi, que continua sendo Manicoré.

A organização territorial de Santo Antonio do Matupi é maior maluquice que se pode ter notícia. Vizinho por estrada de Apuí e de Humaitá, ele pertence à Manicoré. Só que a sede de Manicoré fica no Rio Madeira. Quem está em Matupi, para chegar à sede do município, Manicoré, tem que andar 180 quilômetros de estrada de barro até Humaitá e de lá descer 300 quilômetros pelo Rio Madeira. Sabem o que isso significa? Um inferno na vida das pessoas que na maioria das vezes não possuem, sequer, certidão de nascimento, pois para fazer o registro o pai precisa andar até Humaitá e daí até Manicoré. Ou seja, 960 quilômetros, ida e volta. Se morrer, também, não vai ter atestado de óbito pelas mesmas razões. É assim que o Brasil trata Matupi.O abandono das famílias que foram levadas foi e é total. São cerca de cinco mil brasileiros que possuem 80.000 cabeças de gado que são vendidas principalmente para Manaus e Porto Velho. Lá não tem escola e posto de saúde, mas tem duas estações: poeira e lama. A estrada é algo inacreditável de ruim.

O Estado brasileiro só chega lá para punir, para prender e reprimir. Nesse clima, a lei que prevalece é a do mais forte como nos tempos primitivos. Matar a tiros é coisa comum na região. Nardélio Gomes ( de barba e chapéu na foto abaixo) que era a principal líder do local foi morto em circunstâncias nunca esclarecidas em 2011.

Nesse ambiente, não se pode esperar outra coisa que não seja o conflito entre esses brasileiros que foram levados para lá e abandonados pelo Estado – INCRA – que prometeu o céu, mas os colocou no inferno, e os índios que lá já estavam desde que Cabral descobriu o Brasil.

O Estado brasileiro tem que sair dos gabinetes de ar condicionado Brasília e de Manaus e ir lá ver a realidade que é triste dos dois lados, mas principalmente de parte dos índios que por razões óbvias se defendem ao modo deles, o que nem de longe pode ser aceito como normal.

Existe um conflito, inclusive, étnico grave e delicado e que pode ter consequências mais sérias. A meu ver, a primeira providencia é redefinir os limites de Manicoré. Matupi tem que ser Humaitá ou Apui, não pode continuar sendo Manicoré, por razões geográficas, e lá o Estado tem que chegar, não apenas com polícia, mas com escola, com saúde, com asfalto, com cidadania.

Fora disso, daqui a uns anos teremos uma situação incontrolável.