Um pacto pode salvar o país do abuso de autoridade

Temos insistido nos últimos meses sobre a necessidade de medidas legais e administrativas para impedir o abuso de poder de juízes, promotores e delegados. A insistência se justifica até para garantir e assegurar o papel do judiciário, particularmente do Ministério Público Federal (MPF) e da polícia judiciária da União, a Polícia Federal (PF).

A partir do uso indevido e ilegal de grampos telefônicos, algemas, do abuso de autoridade, da participação ilegal de juízes e de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) em investigações e inquéritos, juízes, promotores e delegados tem colocado em risco a luta contra o crime organizado e a corrupção.

Por mais que pareça o contrário e por mais que esses agentes públicos responsáveis pelas investigações neguem e defendam seus procedimentos ilegais, eles usam e abusam de meios indevidos escudados na máxima de que, na luta contra a corrupção, os fins justificam os meios.

O caso mais recente foi a operação Satyagraha, que deu origem a um enfrentamento entre a presidência da Corte Suprema do país e setores da magistratura, do MPF e da PF. A própria mídia que se beneficiou e abusou do vazamento de informações sigilosas e dos grampos ilegais, levantou-se contra e exigiu medidas para conter as arbitrariedades e os excessos da autoridade quando tornou-se vítima da ação policial ilegal.

Em boa hora, nessa semana, os chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário decidiram fazer um pacto federativo para aprovar leis no sentido de compatibilizar os instrumentos investigativos com as normas constitucionais, seja no caso das interceptações telefônicas legais, seja da responsabilidade dos agentes e servidores públicos.

Estes não podem abusar da autoridade da qual estão investidos e violar direitos básicos do cidadão, como por exemplo fazer uso indevido de algemas, violar o sigilo das informações nas investigações e nas CPIs, já que não há quebra de sigilo e sim transferência deste para a autoridade competente, seja deputado, delegado ou promotor.E as CPIs, ao contrário do que já chegou a acontecer, não podem fugir de seu foco e objeto.

Outra medida que deve ser pactuada é a mudança de nossa legislação para tipificar os crimes praticados por grupos de extermínio ou milícias privadas. Precisamos revê-la para permitir a venda rápida de bens do crime organizado apreendidos pela justiça ou resultantes da lavagem de dinheiro, alterando-se, inclusive, a lei de improbidade administrativa. Faz-se necessário, também, mudar a lei para a proteção das testemunhas contra o crime organizado e criar colegiados para julgamento dos crimes deste em primeiro grau.

Mas, outras medidas devem ser estudadas e adotadas para consolidar o Estado de Direito. Entre estas, incluo a nova regulação das Medidas Provisórias (MPs), pronta para votação no Congresso Nacional; a regulamentação da ação direta de E DIRCEUinconstitucionalidade (ADIN) por omissão; uma legislação que garanta o pagamento dos precatórios pela União, Estados e municípios, regulamentando inclusive os casos de intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) nessas instâncias quando desobedecerem ordem e decisão judiciais. Com relação à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, é preciso rever a legislação e torná-la efetiva instituindo juizados especiais dela nos Estados e no Distrito Federal.

Por fim, o pacto visa aprovar leis e medidas para agilizar a justiça revendo trâmites processuais – como já vem acontecendo – e normatizando a convocação de juízes federais para instruir ações penais originárias dos tribunais superiores. Como vemos, são medidas necessárias e óbvias que, ao contrário do que afirmam os que praticaram abusos e ilegalidades, não vão diminuir ou conter a necessária luta contra o crime organizado, mas sim torná-la eficaz. E melhor, enquadrá-la nos dispositivos da Constituição, evitando o uso e abuso de investigações, inquéritos, processos e CPIs para fins políticos, partidários, eleitorais, de auto-promoção ou até mesmo de vingança. Ou, na pior das hipóteses, de justiça pelas próprias mãos a pretexto de defender a sociedade e a lei.

José Dirceu foi ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República.

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