Mutirão pela Democracia

INSTITUIÇÕES ADOECEM. E podem morrer pelo colapso das funções vitais, pela perda de sentido e de conexão com sua finalidade original. O Legislativo brasileiro não está moribundo, mas tem sintomas preocupantes e o momento da intervenção curativa é agora. Um ponto essencial para a elaboração do diagnóstico do Senado está no uso indevido do poder que a Constituição lhe confere. Os limites e regras desse poder foram extrapolados a ponto de se formar, nas brechas do regimento interno, um comando paralelo de decisões.

O remédio não pode ser só para os sintomas, porque a doença se espalhou pelo corpo. De tal maneira que passaram a existir atos secretos e contas sigilosas, como num universo paralelo ao Estado de Direito, com lógica própria, ao sabor de conveniências, porém, nutrindo-se dos meios e instrumentos que pertencem à sociedade e só a ela estão destinados a servir.

Este adoecimento não se resolve de olho em interesses restritos, sejam de cunho pessoal, partidário ou eleitoral. O tratamento tem que ser profundo para interditar, por meio do cumprimento da lei, a repetição frequente de erros e, assim, recuperarmos a ideia bem sintetizada por R. Goldenberg em “Política e Psicanálise”. Ele chama a atenção para o significado da perda do princípio “básico de que toda a política se pratica na dimensão do direito e das leis”.

Daí a ideia de uma instituinte, que já apresentei aqui. Uma reforma deve ir além das indispensáveis correções das irregularidades, e consequentes punições. Precisa demonstrar a autolimitação de uma instituição que passou dos limites.

Um gesto do presidente Sarney, se licenciando temporariamente para firmar sua isenção nas apurações, como parte do encaminhamento de soluções, seria um bom exemplo desta autolimitação. Isso exigiria dos partidos que deixassem de lado o oportunismo e a tentação de se ater a seus interesses no varejo, para que todos, principalmente a sociedade e a instituição Senado, possam ganhar no atacado.

Continuo, assim, defendendo o afastamento temporário do presidente do Senado, como parte da estratégia de instalação de um processo de reforma. Mas não relegada a uma comissão produzindo belos estudos num canto da Casa. Esse debate tem que ser vivo e, para ter estatura, tem que se dar no plenário, com a participação de juristas, especialistas, representantes de servidores e segmentos sociais.

Ou fazemos algo nessa dimensão para superar a crise do Senado, ou não seremos capazes de nos reencontrarmos com seu sentido original, sua finalidade democrática, com a vitalidade que é o mínimo que a sociedade espera de suas instituições.

 

Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.

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