O combate às queimadas

Viajo sempre pelo interior e vejo o quanto tem sido danoso o problema das queimadas. Há lagos e rios por onde navegar, à noite e no começo da manhã, é uma aventura, com os barcos precisando rasgar a pesada cerração causada pela mistura de umidade e fumaça.

Esta é a hora em que o caboclo faz o roçado para a juta, malva e mandioca, os três pilares da agricultura familiar amazonense. Conversei com eles – e conversar com essa gente traz sempre muitas lições. Ouvi de muitos uma indagação: “Se não posso queimar a capoeira pra fazer o meu roçado, alguém vem me ajudar a fazer isso?”

Entendo, apoio e aprovo o combate às queimadas. Elas não podem mesmo continuar. O outro lado, porém, o do produtor rural, precisa ser ouvido e atendido. A maioria das famílias da zona rural ou é formada por pai, mãe e crianças ou por pai, mãe e filhos maiores… que foram estudar na cidade. Num caso ou no outro, a tarefa de roçar manualmente, para o solitário agricultor, é um fardo pesado.

Insisto: sou a favor do grupo criado para combater as queimadas. Estava mais que na hora dos governos municipal, estadual e federal se unirem nesse trabalho. Aquele negócio de cada um dar uma justificativa diferente e nenhum conseguir uma ação efetiva não podia continuar.

É difícil mudar um comportamento cultural. Todos os anos, por esta época, apesar de sofrer diretamente os danos causados pela fumaça das queimadas, o caboclo tem isso como algo normal. Mas muita coisa mudou na mentalidade interiorana.

Matar o peixe-boi, por exemplo, era algo comum. Se o coitado do bicho aparecesse na frente de um pescador, ele veria ali apenas uma fonte de proteína e jamais um animal em extinção. O filme “No tempo das amazonas”, de Silvino Santos, mostra bem o tratamento da época, quando a gordura do peixe-boi chegou a ser usada como combustível. Agora, quando um filhote fica preso na malhadeira, o pescador trata de resgatá-lo, envolvê-lo em panos molhados e trazê-lo para Manaus, onde o Inpa tem reconhecido trabalho de ajuda à espécie.

Para conseguir um estágio assim contra as queimadas vai dar muito mais trabalho. Distribuir motosserras para o caboclo está fora de cogitação, diante do risco de que o equipamento seja usado para tirar madeira, no lugar de apenas servir para roçar a capoeira.

Sugiro que Inpa e Embrapa sejam convocados a oferecer o conhecimento acumulado sobre a preparação da terra. Sei que as duas instituições já concluíram que a queimada não é o melhor caminho e acaba até, no médio prazo, empobrecendo a terra.

É preciso também que os órgãos municipais e estaduais de assistência social participem. Quem sabe não é o momento de reforçar o cooperativismo e de reviver a prática ancestral do mutirão, na Zona Rural, com todos se unindo no momento de roçar, entrando o poder público com transporte, água e comida para os trabalhadores?

Parabenizo todos os órgãos envolvidos no combate às queimadas. Vão em frente. Mas não esqueçamos do aspecto humano dessa ação. O caboclo sofre demais, mas é matreiro. Melhor torná-lo parceiro nessa luta.

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