Desaparecidos: o direito à verdade e à justiça

 

Tenho dito, escrito e ponderado muito que melhor fariam as Forcas Armadas – na verdade o governo e o Estado brasileiros – se reconhecessem todos os crimes praticados durante a ditadura, particularmente os casos de tortura, assassinatos e desaparecimento de corpos de militantes executados, de maneira vil e covarde, já que estavam presos e desarmados, cercados e sem condições de reação ou defesa.

No Araguaia, por exemplo, houve a execução pura e simples de prisioneiros e o ocultamento de seus corpos, fatos que agora vieram a público com a divulgação dos documentos do Major Curió, como é conhecido o então capitão (à época daquele movimento) Sebastião Rodrigues de Moura, que teve um papel central na terceira campanha contra a Guerrilha do Araguaia no ano de 1975.

Pelos documentos de Curió, objeto de uma série de reportagens do jornal O Estado de S. Paulo essa semana, ficamos sabendo que são 41, e não 25 como se tinha informação anteriormente, os guerrilheiros executados, uns fuzilados por pelotões do Exército e outros até decapitados como aconteceu com Antonio Guilherme Ribas ex-presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES).

Ribas ficou preso com Luís Travassos, Wladimir Palmeira e comigo durante 11 meses em São Paulo até sermos libertados em setembro de 1969 em troca da soltura do embaixador americano sequestrado, Charles Burke Elbrick. Libertado mais tarde, Ribas foi para o Araguaia. Preso, foi assassinado e teve sua cabeça decapitada e enviada para Xambioá (Pará), como relata friamente Curió.

Durante o primeiro mandato do presidente Lula tive que viver o constrangimento de ver nosso governo recorrer contra decisão da justiça que obrigava as Forças Armadas a entregarem todas as informações e documentos sobre os mortos e desaparecidos do Araguaia, recurso que foi negado pela justiça.

Meses depois, junto com os Ministros da Defesa, Justiça e Relações Exteriores, em reuniões da Câmara de Relações Exteriores e Defesa, e na condição de ministro-chefe da Casa Civil, várias vezes propus aos comandantes militares que divulgassem todas as informações sobre a repressão e assumissem perante a nação suas responsabilidades enquanto militares a serviço do Estado durante a ditadura militar. É o caminho para que as famílias possam conhecer a verdade histórica e dar uma sepultura digna, conforme suas crenças, a cada um dos seus.

Os comandos militares só aceitaram colaborar com a busca de informações se restritas aos militares que serviram no Araguaia. Depois, com base nessas informações voluntárias, concordaram com a busca dos corpos.

Mas, como também tenho dito e escrito, a verdade virá a tona. Como vem agora pelas mãos do Major Curió, continuará a vir, pelas mãos de militares arrependidos ou simplesmente estimulada pelos comandos militares ou por setores (militares) da reserva de forma sigilosa (sem que se torne do conhecimento público quem as está divulgando) ou induzida.

Já é hora de o governo Lula – e seu ministro-secretário dos Direitos Humanos tem lutado nessa direção – assumir suas responsabilidades e submeter as Forças Armadas ao poder civil e à Constituição. Para tanto, um dos pontos é determinar a publicação de toda a verdade, sem medo, fazendo justiça à memória dos que deram a vida pela liberdade e pela democracia.

Como bem o disse o Major Curió, que é insuspeito nessa avaliação, no material recém-publicado no Estadão, no primeiro dia da série, edição de domingo (21.06), na principal reportagem com o título “Curió abre arquivo e revela que Exército executou 41 no Araguaia”: “(Eu) Queria ser militar porque queria defender a pátria, achava bonito. Alguns guerrilheiros tinham os mesmos ideais que nós. Mas nossos caminhos eram diferentes. Eu achava que o meu caminho era o correto. Eles achavam que o deles era o correto. Não eram bandidos, eram jovens idealistas”.

Nada justifica, portanto, a manutenção das informações e documentos em poder das Forças Armadas em caráter secreto, sob sigilo. De nada servem, ou ajudam no processo, as declarações dos comandantes militares de que esses documentos foram queimados e destruídos. Eles podem e pela lei devem ser reconstituídos. Cabe ao Executivo e ao Judiciário determinarem essa reconstituição ou sua busca e apreensão.

É o mínimo que se exige de um país democrático e de uma Constituição que submeteu o poder militar ao poder civil pondo fim à ditadura militar e à ordem jurídica ilegítima e inconstitucional que ele (poder militar) pela força impôs a nação.

José Dirceu é ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República

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