O Brasil acerta ao defender Honduras

O historiador Marco Antonio Villa, intelectual tucano e professor da UFSCar (Universidade Federal de São Calos), pode até apresentar ideias carcomidas e manipular fatos, mas há que se elogiar sua transparência: não esconde sua opção, e do bloco conservador que vocaliza, pela defesa do golpe em Honduras.

Claro que, como ninguém é perfeito, escolheu o caminho de manifestar suas opiniões através de críticas infundadas à política internacional do governo Lula.

Como o fez em seu artigo “Saudades do barão”, publicado pela Folha de S.Paulo no dia 4 de outubro.

Villa não apenas advoga o golpismo como o faz a partir da velha política tucana de submissão aos Estados Unidos e seus interesses, negando à diplomacia brasileira o direito de desempenhar um forte e autônomo papel internacional na defesa da democracia, da justiça social e da soberaniana América Latina.

Nossa chancelaria, a depender de seu juízo, deveria se comportar, nas palavras do sábio Nelson Rodrigues, com o complexo de vira-lata que tanto marcou nossa história.

O pretexto para se alinhar com a sedução hondurenha é um casuísmo pretensamente constitucional, alegando que o presidente Manuel Zelaya teria rompido com uma cláusula pétrea da Constituição e sido afastado pela Suprema Corte do país.

Apenas omite que o legítimo chefe de Estado foi julgado em menos de quinze horas, sem direito ao devido processo legal, em uma pantomima cujo único objetivo era camuflar um golpe cívico-militar e a instalação de uma ditadura que cumprisse a tarefa de organizar eleições controladas e manipuladas pela velha oligarquia.

Uma manobra bem ao estilo do presidiário Alberto Fujimori, o ex-presidente peruano que se sagrou tirano e fechou o parlamento com a carta magna debaixo do braço.

Houve, de fato, ruptura da Carta Democrática da Organização dos Estados Americanos (OEA), provocando ampla reação internacional, com diferentes intensidades e providências.

Os governos de algumas potências, entre esses infelizmente o dos Estados Unidos, adotaram posição bastante ambígua, pois se desencadeasse pressão mais forte e resoluta, há muito a ditadura de Eduardo Micheletti e seus cúmplices estaria no chão.

A maioria dos paíseslatino-americanos, no entanto, reagiu com a indignação que exige seu passado de sofrimento sob o tacão de regimes autoritários.

O Brasil, pela responsabilidade de seu papel no continente, desde a primeira hora adotou medidas firmes contra o golpe. E não negou solidariedade e reconhecimento ao presidente constitucional dos hondurenhos, inclusive no momento em que ele procurou a embaixada para se abrigar.

Apenas os setores mais nervosos e desavergonhados do conservadorismo ousam questionar a naturalidade e a justeza desse gesto, absolutamente corriqueiro quando a ordem constitucional é violada pelo golpismo.

O governo do presidente Lula nãointervém na luta política que se trava em território hondurenho, mas obviamentetem lado, o da democracia, e atua para seu pleno restabelecimento nos marcos das leis e acordos internacionais.

A moderna direita brasileira, que já havia se recolhido ao silêncio diante do movimento do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, por um terceiro mandato, agora revela todo seu despudor, na prática apoiando um golpede estado contra um governo legítimo, a julgar pelas declarações de várias das suas lideranças e seu bardo, o professor Villa.

Mais ainda: reivindica que a política internacional volte a ser pautada pela covardia e o servilismo, como na época do chanceler tucano Celso Lafer, aquele que tirou os sapatos e abaixoua cabeça para autoridades americanas do último escalão.

Vale lembrar que Villa, além de tudo, parece ter se precipitado na cantilena sobre a questão hondurenha.

Seu artigo foi publicadono domingo, e já no dia seguinte, a imprensa noticiava o fim do estado de sítioe a abertura de negociações que podem levar Micheletti à renúncia, com o retorno do país ao caminho constitucional e democrático.

Provavelmente isso seria impensável sem o regresso de Zelaya e a altivez de nossa diplomacia, em aliança com outros países, cuja conseqüência foi o recrudescimento da pressão mundial contra os golpistas.

Nem sempre as boas causas são rapidamente vitoriosas, e jamais a luta contra a tirania esteve condicionada à certeza de uma solução fácil e indolor.

O presidente Lula e o chanceler Celso Amorim adotaram uma atitude arrojada porque assim demanda a história de um continente marcado a ferro e fogo pelas ditaduras.

José Dirceu, 63, é advogado e ex-ministro da Casa Civil

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