Redução de gases estufa e o “pulo do gato” americano

Historicamente avessos à discussão sobre os caminhos para a redução do nível de emissão de poluentes na atmosfera, os Estados Unidos vêm sinalizando que poderão mudar sua posição sobre o assunto.

Mas não é de hoje que os norte-americanos colocam seus objetivos acima dos interesses das demais nações.

Por isso, como já me manifestei anteriormente, os EUA usarão a questão ambiental para embutir novos mecanismos de proteção ao seu mercado interno e à sua indústria.

O ministro brasileiro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, já identificou a primeira tentativa de colocar em prática o protecionismo americano em outra roupagem.

No artigo “Um novo risco às exportações brasileiras”, publicado na Folha de S.Paulo de 11 de setembro, Miguel Jorge mostra os problemas existentes no projeto Waxman-Markey, que está tramitando rapidamente no Congresso americano.

Atualmente no Senado, o projeto usa como pretexto o combate à poluição e a mudança da matriz energética americana para subsidiar diversos setores de sua economia.

O objetivo é recorrente: proteger esses setores da concorrência com empresas estrangeiras. Ao mesmo tempo, seguirão exigindo do restante do mundo liberdade comercial, financeira, direito autoral, serviços e compras governamentais…

Como bem detalha o ministro Miguel Jorge, o projeto cria “um sistema de comércio obrigatório de licenças de emissão de gases de efeito estufa do país” (chamado de cap and trade), traçando metas para a redução gradativa de poluentes -de 3% em 2012 até 83% em 2050, tendo como base o ano de 2005.

O “pulo do gato” está em considerar que as empresas norte-americanas perderão competitividade para atender às metas e, supostamente por essa razão, criar dois programas que tentem “minimizar” esses efeitos: o primeiro programa é de concessão de subsídios à indústria local; o segundo é o que estabelece que empresas exportadoras deverão comprar licenças para entrar no mercado dos Estados Unidos.

Na prática, criam barreiras comerciais a outros países -o Brasil entre eles.

Alguns dos setores que serão protegidos são as indústrias químicas, siderúrgicas, de cimento e de papel e celulose, entre outros.

“O Brasil está diante de uma ameaça potencial estimada, preliminarmente, em um terço de nossas exportações para os EUA ou 4% de nossas exportações totais”, alerta nosso ministro.

Acertadamente, Miguel Jorge propõe a atuação do Brasil, em conjunto com outros países que serão afetados caso o projeto seja aprovado, diretamente no Senado americano, na Comissão de Relações Exteriores, mas igualmente na conferência das Nações Unidas sobre mudança climática, marcada para dezembro em Copenhague (Dinamarca).

Se ainda assim não houver reversão da posição americana, o caminho natural é recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio), também de forma coordenada com outros países, já que as medidas previstas no projeto Waxman-Markey, especialmente o segundo programa, são similares a tarifas de importação (“border tax adjustment”, no jargão da OMC).

O professor e físico Luiz Pinguelli Rosa ressalta o aspecto positivo existente na intenção inicial do projeto Waxman-Markey: o de ser a primeira manifestação interna adotada pelos norte-americanos em relação ao problema ambiental.

Mas devemos olhar a questão com clareza. É necessário separar o importante avanço que as nações precisam dar no rumo do desenvolvimento sustentável e da preservação do meio ambiente dos interesses protecionistas que os Estados Unidos tentam, novamente, implementar.

É evidente que ações que visem reduzir as emissões de gases que provocam o efeito estufa são necessárias, e há muito a comunidade internacional vem apontando a nações como os Estados Unidos.

Não somos contrários a iniciativas como essas. Mas não podemos submeter o crescimento de países em desenvolvimento, como o Brasil, aos interesses locais dos norte-americanos, como sempre se assistiu.

José Dirceu é advogado e ex-ministro da Casa Civil

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