Para onde caminha nossa América

A terceira reunião da Unasul (União das Nações Sul-Americanas) em Quito, presidida por Rafael Correa, do Equador, foi realizada num momento decisivo para a América Latina, em que a pauta está dominada pelo golpe militar de Honduras e pela controversa instalação de novas bases militares norte-americanas na Colômbia.

A entidade, que reúne os 12 países da América do Sul, também debateu temas internos, como a organização dos conselhos já existentes – Defesa, Energia e Saúde – e a implantação da secretaria-geral, cujo candidato Nestor Kirchner, da Argentina, é vetado pelo Uruguai num resquício da crise das “papaleiras” entre os dois países.

Não são poucos os desafios da Unasul. Ela tem objetivo e perfil diferenciado do Mercosul, uma união aduaneira, e da Alba, uma aliança política, mas pode e deve ser um instrumento para fazer avançar a integração sul-americana para além das relações comerciais e diplomáticas entre nossos países.

A demanda real é fazer avançar a integração energética, de transportes e de infraestrutura, buscando meios de financiar nosso desenvolvimento com a criação do Banco do Sul e criando as condições para políticas econômicas e sociais comuns, para uma integração política e cultural.

Mesmo sob a égide do golpe hondurenho, condenado por todos – até pelos Estados Unidos -, o encontro foi dominado pelo tema da militarização na região andina. A Declaração de Quito, assinada nesta segunda-feira pelos presidentes e representantes dos 12 países, não cita o problema, mas, por pressão das comitivas do Brasil e da Argentina, haverá uma reunião extraordinária da Unasul para o dia 24 de agosto.

Nesta data, ministros da Defesa e de Relações Exteriores dos países-membros discutirão o acordo militar entre Colômbia e EUA – com reflexos para o Brasil – que permite a Washington usar sete bases em solo colombiano e ampliar significativamente suas tropas no país.

Com 44 milhões de habitantes e 1,142 milhão de quilômetros quadrados, a Colômbia detém as maiores, as mais bem equipadas e as mais modernas Forças Armadas da região: 208 mil homens que custam 3,8% de seu PIB. Enquanto o Brasil, com 190 milhões de habitantes e 8,5 milhões e quilômetros quadrados, gasta 1,1% do PIB para manter 287 mil efetivos em suas Forcas Armadas. Só em 2009, os Estados Unidos transferirão para a Colômbia US$ 3,3 bilhões em ajuda militar e manterão em seu território sete bases, 800 conselheiros militares e mais 600 terceirizados.

Os riscos de uma corrida armamentista são reais, já que não há um crescimento da guerrilha na Colômbia – pelo contrário, o recuo é flagrante. Nesse cenário, a expansão da ajuda e das bases militares só pode ser tomada por Equador e Venezuela como ameaça à soberania e risco real de intervenção em seus assuntos internos. Aliás, isso já aconteceu recentemente na Venezuela, com a tentativa de golpe contra o presidente constitucional Hugo Chaves, e igualmente na invasão do território equatoriano pelo Exército colombiano para atacar um acampamento das Farc.

O que devemos evitar é que o golpe de Honduras e a ameaça militarista colombiana desviem a Unasul de seu objetivo central de acentuar a integração sul-americana. Não só na questão comercial (hoje o comércio intra-regional na comunidade andina não passa de 15% de suas exportações e importações), mas principalmente nas questões políticas, único caminho para fazer avançar o desenvolvimento em todos os países e sustentar nossa independência e soberania frente aos interesses internacionais.

Trata-se de desafio que só se tornou possível a partir da vitória de revoluções populares ou pela eleição de presidentes progressistas na maioria de nossos países, conquista que devemos lutar para sustentar e manter, já que entre os alvos prioritários das forças conservadoras da região está o de derrotar nossos governos e fazer retroceder a integração sul-americana.

Por essas razões, é de se elogiar a sensata decisão de uma reunião extraordinária ainda neste mês, bem como a sugestão do presidente Lula de promover um encontro entre os EUA e a Unasul justamente para discutir a presença militar norte-americana na Colômbia.

José Dirceu é ex-ministro da Casa Civil

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