Gilberto Mestrinho

Que vazio o Amazonas sem Gilberto! Pior para mim que não o via toda hora, embora fosse uma festa cada encontro nosso. Lembranças, análises, causos, tudo entrava no cardápio. Conversas eram sinceras, construtivas.

No cemitério, não contive as lágrimas. É que tive de ficar frente para o Pacheco e o Luís Costa. Dei de cara com o Girardi, o Klinger, o Bernardo, o Arlindo, o Borges. Amazonino ouviu minha fala, os olhos em pontos vagos que o tirassem do sentimento de perda avassalador.

Chorávamos. Cada um, na multidão impressionante do cemitério e do cortejo, sentia a dor a seu modo e por suas próprias razões. Para muitos, lá estavam a gratidão, a admiração, o respeito.

O Amazonas chorou muito. Vai sentir cada minuto da missa de sétimo dia. É como se um personagem da História, extremamente querido, de repente tivesse dito: “chega. Saio fisicamente da vida de vocês”.

Seus filhos foram incansáveis na vigília do hospital e do velório. A todos, meu abraço fraterno. Nas idas e vindas ao Prontocor, pensei muito no papel histórico de Gilberto. Errou? Certamente. Quem não comete gestos impróprios ao longo da vida? Falo de seres humanos e não de santos. E os examino como examino a mim próprio, sempre, a partir da condição humana, no que ela tem de sublime e de miserável.

Acertou? Sim. Muito. Deixou uma obra para julgamento dos pósteros. Construiu carreira política vitoriosa. Influenciou 53 anos da vida pública amazonense.

A verdade é que Mestrinho representa uma era e não simples períodos de governo. Seu senso estratégico e sua agilidade tática correspondiam ao cérebro de um general conquistador.

Estive afastado dele, no plano pessoal, entre 1986 e 1990. Enfrentei-o diretamente em 1988, disputando a Prefeitura de Manaus e, daí em diante, alternamos momentos de convergência com instantes de divergência política. Divergências que não foram capazes de tisnar a amizade sólida que construímos a partir de 1991.

Havia uma herança. Sua ligação com meu pai era forte. Vejo os blogs e as fotos que estampam. É difícil alguma, de ato público, em que os dois não apareçam juntos.

Obstinado. Resoluto. Objetivo. Eis o perfil do homem que misturou sua biografia com a História do Estado.

Valente. Desafiador. Eis o governador que, em 1961, aderiu à cadeia da legalidade, liderada por Leonel Brizola, em favor da posse do Presidente João Goulart. Foi para o tudo ou nada. Arriscou. Venceu.

Cassado em 64, teve paciência e fé. Sonhou. Articulou. Construiu a frente ampla que derrotaria nas urnas o regime autoritário. Sua capacidade de esperar fazia dele um oriental que falava pelo silêncio pelos símbolos.

Fui seu colega de Congresso e de Senado. Varava noites ao meu lado em defesa da Zona Franca. Era estimado por todos, do Zezinho, que serve café no Plenário, aos Presidentes da Casa.

Seu último gesto foi tocante. Pressentiu a morte no Rio de Janeiro. Poderia ter ficado lá, mas retornou a Manaus, para finar na taba, com seus guerreiros e suas índias.

O cacique foi rever meu pai. O morubixada foi reencontrar Jango e o outro tuchaua, Álvaro Maia, lá do outro lado da fronteira mais insondável de todas.

Levou com ele o coração do Amazonas.

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