O pior já passou. Será?

Quem passar a peneira no noticiário econômico nacional e mesmo internacional descobrirá que se sobressai uma razoável quantidade de análises e comentários sugerindo que o pior da crise econômica global, que teve início em 2008, já estaria superado. Teríamos ultrapassado o fundo do poço e nos dirigiríamos para a recuperação. Uma recuperação lenta; mas, recuperação. No Brasil, mais do que apenas isso, predomina um sentimento de otimismo até.

Aqui, desde o início dessa crise, o governo, compreensivelmente, tem jogado pesado na mídia para impedir que uma virtual onda de pessimismo termine por contaminar o ambiente, tornando mais difícil a reversão de um cenário já adverso por natureza. Considerando-se então, esse ingrediente político da leitura que se faz da cena econômica, convém sempre manter o pé atrás em relação que se lê, ouve ou vê, na mídia.

A economia é uma das ciências do comportamento. Como se sabe, o comportamento humano é imprevisível. Quando se trata, então, de analisar cenários que envolvem a projeção de situações decorrentes da interação entre comportamentos de milhões de seres humanos interconectados em redes globais, a coisa fica bem mais complexa. E, em se tratando de uma crise como esse perfil e contornos inusitados, toda a cautela é pouca.

Espero estar enganado, mas não compartilho do otimismo embutido nessas avaliações que se sobressaem na mídia e na fala do presidente Lula. Em função da dificuldade de confiar nas informações publicadas, e do difícil acesso a dados confiáveis sobre a verdadeira situação da economia global, muitas vezes o melhor é calar e afiar o olhar na busca de informações consistentes.

Três informações publicadas recentemente na imprensa não podem passar ao largo de qualquer análise que se pretenda objetiva da crise econômica global em curso. São elas:
1 – O rombo de cerca de 1 trilhão de dólares ainda sem cobertura no sistema bancário mundial;

2 – O risco de calote dos EUA aos detentores de títulos do governo norte-americano no mercado financeiro internacional; e,

3 – O risco de uma onda de inadimplência dos tomadores de crédito no mercado de consumidores diretos na Ásia.

Apesar das vultosas injeções de dinheiro público recebidas pelos bancos em todo o mundo desde a eclosão da crise em 2008, estima-se que um terço do rombo criado pela aventura da alavancagem pelos derivativos ainda se encontra sem cobertura. Se esse valor for suprimido do bolso dos contribuintes, aumenta o custo, ainda não percebido por quem pagará a conta, da salvação do mercado pelo Estado. Se, por outro lado, esse rombo não for coberto, não serão poucos os bancos a quebrar. Alguém se arrisca a prever as virtuais conseqüências de uma onda global de quebra de bancos?
Em discurso proferido em meados desse mês, o presidente Barack Obama afirmou que a dívida norte-americana é insustentável e que os Estados Unidos não podem continuar na dependência da China e de outros credores. Em algum momento, disse Obama, os credores ficarão cansados de bancar as despesas da maior economia do mundo. E; “Quando isso acontecer, vamos ter de aumentar os juros para conseguir financiamento e isso vai provocar aumento de juros para todo o mundo.”, disse ele.

Para quem não sabe, a China é a maior credora dos EUA e o Brasil é o sétimo maior detentor de títulos públicos norte-americanos no mundo. Seria cômico, não fossem as trágicas conseqüências de um cenário com esse, observar a cara da esquerda latinoamericana, que sempre defendeu a moratória da dívida externa dos países subdesenvolvidos, se, de uma hora para outra, os nossos irmãos do norte decidissem dar um calote no mundo.

Por fim, analistas respeitáveis andam projetando o sério risco de que os consumidores asiáticos possam não ter como honrar os créditos fáceis que tomaram no mercado para financiar a compra das mercadorias em excesso que tiveram que absorver sob pressão, em função das dificuldades de escoamento desses produtos por seus fabricantes, que costumavam exportá-los para o mercado norte-americano e europeu, hoje em profunda crise. A se conformar esse prognóstico, teríamos aí outra fonte de turbulência global com potencial explosivo.

Dizia minha avó que desgraça pouca é bobagem. Tomara estivesse errada. Na dúvida, é bom manter as barbas de molho sempre que se ouvir o presidente Lula anunciar o fim iminente dessa crise.

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