Zona Franca de Manaus – Razões para Existir

Por Juarez Baldoino (*) :

Será que ela se justifica por ser:

Boa pagadora de tributos, geradora de empregos, protetora das fronteiras e protetora da floresta amazônica, ou não?

A ZFM passou e tem passado por vários discursos justificativos ao longo de seus 50 anos, quando foi implantada na verdade tão somente para criar atividade econômica comercial, industrial e agropecuária, em razão de fatores locacionais da região.

Atualmente os discursos para justificá-la foram sendo transformados e variando de alguma forma. Seguem alguns deles:

Boa Pagadora de Tributos (objetivo inexistente quando de sua criação)

O tributo permite oferecer serviços públicos à população. É o conceito clássico.

Agentes não simpáticos à ZFM têm denunciado seus incentivos fiscais como sendo elevados, e que a renúncia do governo a estes tributos não recolhidos traria prejuízo ao cidadão, especialmente os que estão em outras regiões. A população teria menos recursos ao seu dispor. Tecnicamente não é possível negar.

Se o tributo for analisado sobre o prisma positivista de sua existência, como distribuidor de renda e provedor do bem estar geral da nação, a renúncia à ele estaria de fato no sentido oposto ao seu nobre fim. Não se discute aqui o seu uso indevido ou inadequado.

Outros agentes alegam que os incentivos ficais não podem ser longos, pois perdem o sentido de sua concessão e viciam a economia, diminuindo sua velocidade de encontrar mecanismos próprios de sua auto sustentação tributária normal. Tecnicamente também não é possível negar.

Por estes motivos, ser boa pagadora quantitativa de tributos pode não ser um bom argumento, porque sempre pagou menos do que pagaria noutras circunstâncias.

Geradora de Empregos (objetivo inexistente quando de sua criação)

Em termos nacionais, produzir artigos no Polo Industrial de Manaus ou transferir seu parque industrial para outras localidades, não diminuiria os postos de trabalho no país. Igualmente não é possível negar tecnicamente. Nesta hipótese, definir quais seriam as alternativas para Manaus, se ela achar que precisa manter seu contingente populacional, é uma questão a discutir. Certamente algumas pessoas gostariam e outras não. O fato é que os empregos não são um grande argumento.

Detroit nos Estados Unidos, por exemplo, passou, de 2 milhões de habitantes em 1960 na época em que concentrava a indústria americana, para pouco mais de 600 mil pessoas hoje. As pessoas migraram e a economia se readequou.

Menos atividade, menos população, e talvez menos problemas urbanos como criminalidade, trânsito, invasões e degradação ambiental.

Menos arrecadação, mas também menos demanda por serviços.

Ou não. Pode-se continuar com tudo sempre mais.

O Brasil precisa gerar um Polo Industrial de Manaus em empregos a cada mês para seguir com sua economia em nível mínimo, ou seja, cerca de 1 milhão de novos postos de trabalho anuais.

A geração de empregos pela ZFM, embora importante para a região, inclusive quanto a diminuição das desigualdades regionais, em nível nacional não é um argumento tão relevante.

Protetora de Fronteiras (objetivo inexistente quando de sua criação)

A partir de Manaus, a fronteira mais próxima urbanizada está há mais de 1.000 quilômetros de distância, em Tabatinga-AM. Proteger fronteiras nesta distância é questionável. Manaus anda atingindo recordes de apreensão de drogas de origem transfronteiriça que, portanto, têm conseguido ultrapassar as nossas fronteiras, ou seja, a ZFM não as está protegendo, pelo menos das drogas.

A fronteira seguinte mais próxima é na Terra Indígena UAI UAI na divisa de Roraima com a Guiana Inglesa, há 420 quilômetros em linha reta, sem acesso por via normal.

A atividade de proteção parece que estaria mas afeta a projetos como o Projeto Calha Norte, criado com esta finalidade, e não à uma Zona Franca que pressupõem grande movimento de cargas e pessoas, muito mais difíceis de se fiscalizar como se observa, e no caso, já no interior do território brasileiro.

Protetora da floresta amazônica (objetivo inexistente quando de sua criação)

Havia até 2016 um discurso neste sentido fundamentado em estudos científicos apresentados também pela Suframa, dando conta da suposta proteção florestal que o funcionamento do Polo Industrial de Manaus proporcionaria. Este discurso foi contestado cientificamente através de novo estudo acadêmico. Tal estudo está disponível em:

http://issuu.com/juarezbaldoinodacosta/docs/o_polo_industrial_de_manaus_n__o_pr

Se observa, portanto, que as justificativas atuais que vêm sendo dadas para a existência da sistemática tributária da ZFM, não estão no seu decreto criador. Como esta sistemática começou a ser questionada quando tomou determinadas proporções, justificativas extras, de certa forma até legítimas, começaram a aparecer no sentido de salvaguardar a atividade econômica local.

E quais seriam então as razões para continuar existindo a Zona Franca de Manaus e seu Polo Industrial, que não sejam somente as de sua criação?

 Poderia se começar dizendo, talvez mais acertadamente, “por que então defender os interesses do povo brasileiro na ZFM?”.

Eis algumas razões para reflexão:

Os menores preços relativos para o mercado brasileiro

O Amazonas só tem capacidade para consumir cerca de 3 % de sua produção industrial. Os 97% restantes da produção do PIM é destinado ao consumo fora do Amazonas.

Isto quer dizer que a população brasileira consumidora do restante do país (há exportação em nível não importante) se beneficia em seu orçamento doméstico da compra de produtos mais baratos produzidos no PIM com tributação reduzida. As motos, os televisores, os tablets, as bicicletas e um sem número de outros artigos, são comprados inclusive, por exemplo, pela classe política e por outros agentes, alguns até não simpáticos à ZFM, mas que nesta condição de consumidores percebem (ou não percebem) o benefício que todos têm com esta sistemática de incentivos.

Diminuir ou transferir o parque industrial de Manaus para outros locais no país poderá aumentar a arrecadação tributária e poderá não reduzir empregos (exceto se a China agir). Entretanto, poderá aumentar o déficit do comércio exterior do Brasil caso a China tenha produtos mais baratos que os artigos nacionais fabricados sem os incentivos da ZFM. Se nos livrarmos da China, os preços mais elevados dos artigos nacionais vão pressionar os orçamentos domésticos, o que consequentemente poderá reduzir o nível de consumo e de produção. Alterar o local do PIM não aparenta ser medida econômica saudável.

97% dos consumidores brasileiros podem perceber que os preços dos produtos são uma razão forte para existir a ZFM, e não a sua arrecadação tributária, seja ela qual for.

O índice geral do custo de vida

A coleta periódica de preços nas últimas décadas para calcular a inflação e os vários índices econômicos (IGP, IGP-M, IPC e outros), interferem diretamente nos salários da população, no valor dos alugueis, nos contratos de serviços e em outros elementos pela economia nacional afora.

Ora, vários artigos produzidos a preços menores na ZFM, como bicicletas, TVs e motos, por exemplo, fazem parte destes artigos que tem os preços coletados. Ao participarem da coleta com preços reduzidos, ajudaram a reduzir os índices inflacionários e o valor dos aluguéis e de vários outros serviços por décadas. Ou seja, além do consumidor brasileiro dispender menos dinheiro direto na compra de produtos fabricados na ZFM, ainda tem menos custo de vida com o aluguel, telefone, serviços e outros, insumos estes que subiram menos pelos índices oficiais divulgados, que contém artigos a preços menores. Haveria perda dupla se não houvesse a ZFM: na compra, e nos índices do custo de vida.

Esta é outra forte razão para existir a ZFM, e não a sua geração de empregos.

A elevada carga tributária brasileira – a garota propaganda gratuita da ZFM

É voz comum consensual entre a população e até entre os governos, de que a carga tributária nacional é elevada, em torno de 38 % do PIB. Todos os últimos 4 presidentes da república também já disseram isto. A reforma tributária aguarda ocasião e ideias para ocorrer. Enquanto isto, temos na ZFM o único processo industrial de geração de bens de consumo a preços reduzidos, justamente no quesito da tão indesejada carga tributária. Este argumento poderia ser explorado no sentido de melhorar a vitrine comercial ZFM. O consumidor brasileiro atento a este fator, é um consumidor-eleitor importante quando for necessário ter um posicionamento político em questões do interesse da ZFM. São milhões de aliados.

A carga tributária elevada do Brasil é mais uma forte justificativa para existir a ZFM e uma grande aliada sua. Tudo assegurado pela Constituição Federal.

Finalmente, nada de proteger fronteiras ou florestas, nada de gerar emprego ou arrecadar mais ou menos. Isto não importa ao consumidor, e é o consumidor que importa à ZFM.

Os derivados econômicos e sociais que a ZFM permite gerar no Amazonas são meras consequências indiretas por produzir um benefício coletivo de interesse nacional.

A Zona Franca de Manaus se justifica na consciência individual de cada brasileiro desde que despertado para isto. É função de seus gestores despertar esta consciência.

(*) Juarez Baldoino da Costa

Amazonólogo, contabilista, economista, consultor de empresas, ex-professor de economia e Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela UFAM – Universidade Federal do Amazonas.

e-mail:

juarez@amazonia500.com.br                                           27 de fevereiro de 2017