Supremo e um recado para quem defende a Escola sem Partido

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Por Felipe Recondo , Brasíliafelipe.recondo@jota.info

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Um professor distribui para seus alunos, no dia de uma prova, manifesto político contrário à situação do Brasil. No documento, afirma que cabe aos estudantes brasileiros uma parcela de responsabilidade pela definição dos destinos da sociedade num momento de grave crise. Os estudantes, afirmava o professor no documento, tinham a honra de defender a democracia e a liberdade.

Organizadores do Programa Escola sem Partido querem proibir professores de professarem, dentro de sala de aula, suas opiniões e convicções políticas. Não existe liberdade de expressão no exercício da docência, dizem os defensores da proposta.

Portanto, o exemplo do professor que distribui um manifesto em sala de aula seria visto como doutrinação e poderia ser coibido se aprovada a proposta (PL 867/2015) do deputado federal Izalci (PSDB-DF).

É fato notório, diz o deputado, “que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas”. “Liberdade de ensinar não se confunde com liberdade de expressão”, argumenta o deputado.

O que o Supremo diria se o projeto de autoria do deputado fosse aprovado e os professores tivessem tolhida a liberdade de cátedra? Em vez de projetar o resultado ou de conjecturar, vamos recorrer ao passado, a um caso julgado há 52 anos e que trata exatamente do professor mencionado no início.

Sérgio Cidade de Rezende era professor da Universidade Católica em Pernambuco e dava as aulas de Introdução à Economia. E no dia da prova, distribuiu a cada um dos alunos um texto com críticas à situação do País após o golpe de 1964. Cabia a eles, os 26 alunos, parcela de responsabilidade pelos destinos da sociedade e para isso teriam de optar entre “gorilizar-se” ou permanecerem serem humanos.

O juiz da 3ª Vara Criminal de Recife decretou a prisão preventiva do professor e recebeu a denúncia com base na Lei 1.802/53. Sérgio Cidade de Rezende foi acusado de “fazer publicamente propaganda de processos violentos para a subversão da ordem pública e social” e pela distribuição “ostensiva ou clandestina, mas sempre inequivocamente dolosa, de boletins ou panfletos” destinados a fazer propaganda.

Os advogados recorreram ao Supremo – impetraram o Habeas Corpus 40.910 no dia 13 de agosto de 1964. E venceram – por unanimidade.

Guardadas as diferenças evidentes entre o passado e o presente – não estava em vigor a Constituição de 1988, o projeto de lei que está na Câmara não fala em crime, os militares não estão no poder e tratava-se, no caso, de ensino em universidade -, os argumentos que ministros de ontem usaram servirão de inspiração para os ministros de hoje.

Dois votos, em especial, destacam-se: dos ministros Evandro Lins e Silva e de Victor Nunes Leal, ambos cassados posteriormente pela ditadura. São argumentos que deveriam servir de lição para o deputado Izalci e para seus apoiadores.

Evandro Lins e Silva lembrou, em seu voto, algumas palavras do ministro William O. Douglas, da Suprema Corte americana no livro “The Right Of The People”, publicado dois anos antes do julgamento do caso:

“O governo não pode privar os cidadãos de qualquer ramo do conhecimento, nem impedir qualquer caminho para a pesquisa, nem proibir qualquer tipo de debate. A proibição se estende aos debates particulares entre os cidadãos, aos pronunciamentos públicos através de qualquer meio de comunicação ou ao ensino nas salas de aula”.

“Aos professores se deve permitir a busca das ideias em todos os domínios. Não deve haver limites para tal discussão (…) As Universidades não devem ser transformadas, como na Alemanha Nazista, em repetidores dos homens que detêm o poder político”, acrescentava Evandro Lins e Silva ainda na leitura de William Douglas.

Victor Nunes Leal recorreu à jurisprudência do Supremo americano – o caso Sweezy v. New Hampshire, de 1957. O professor Paul Sweezy se declarava socialista – porém não comunista – e criticava processos violentos de alteração da ordem social e política da época. Foi investigado pelo Ministério Público de New Hampshire e condenado pela justiça estadual.

Na Suprema Corte, por 7 votos a 2, a condenação foi anulada. E o fundamento para a decisão foi justamente a liberdade de cátedra.

“Ainda não há – dizia Victor Nunes, citando o Chief Justice Earl Warren – verdades completas, porque os diversos ramos do conhecimento não foram esgotados, muito menos no campo das ciências sociais, onde poucos princípios (se houver algum) podem ser tidos como absolutos. Se a universidade não pudesse, livremente, investigar os problemas do homem e da sociedade, a comunidade americana corria o risco de estagnar e perecer”.

O futuro do Brasil, concluiu o ministro Victor Nunes Leal, “depende do espírito de criação dos homens de pensamento, principalmente dos jovens, e não há criação, no mundo do espírito, sem liberdade de pensar, de pesquisar, de ensinar”.

O Supremo assentou, por unanimidade, em agosto de 1964, que dentro de sala prevalece a liberdade plena de ensino. Não pode o Estado limitar ou impedir qualquer discussão. Do contrário, repetindo as palavras de Victor Nunes, estaria comprometida a liberdade de pensar.

Como já dito, são situações diferentes. Mas é justamente uma dessas diferenças que torna fácil prever o que o Supremo fará. Se os ministros, por unanimidade, decidiram pela liberdade de ensino mesmo sob uma ditadura, por que fariam diferente em uma democracia?