A castanha, a memória e o sonho

Por Alfredo Lopes:

Um alento alvissareiro para os graves distúrbios do Mal de Alzheimer vem da Amazônia, de seu mais emblemático acervo alimentar: a castanha do Brasil. Os frutos foram colhidos na Fazenda Agropecuária Aruanã, do obstinado empresário Sérgio Vergueiro. E a tese veio do doutorado, de Bárbara Cardoso, com orientação da professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Silvia Maria Franciscato Cozzolino, da Universidade de São Paulo. Com o tema “Efeitos do consumo de castanha-do-brasil (Bertholetia excelsa H.B.K.) sobre a cognição e o estresse oxidativo em pacientes com comprometimento cognitivo leve e a relação com variações em genes de selenoproteínas”, a pesquisa já está movimentando a indústria farmacêutica nos testes com animais nos laboratórios da Universidade de Melbourne, na Austrália. Premiada pelo CNPQq, o trabalho está disponível no Portal de Teses e Dissertações da USP.

O sonho de Sérgio Vergueiro de empreender na Amazônia, portanto, foi ampliado e premiado – pelos acertos de sua escolha – da melhor maneira possível. Depois de plantar 1,5 milhão de castanheiras e distribuir alguns milhões de mudas em comunidades espalhadas pelo bioma amazônico, descobrir, com base científica, que uma castanha-do-brasil, da Amazônia, do Pará, por dia, pode manter idosos longe do mal de Alzheimer, é muito prêmio na loteria natural da vida. Essa história começou nos anos 60 e 70, quando o engenheiro agrônomo, Sergio Vergueiro, saído da Universidade de São Paulo, ESALQ- Piracicaba, atendeu à convocação da brasilidade vigente – segundo a qual era preciso integrar a Amazônia ao resto do país para não entregá-la à cobiça internacional – decidiu adquirir glebas para criação de gado de corte. Era uma das escolhas de ocupação, na visão predominante no Brasil, para não “transformar a Amazônia em território internacional, patrimônio da humanidade.” Chegando em Itacoatiara, no Baixo Amazonas, ele foi estimado a trocar as pastagens de gado bovino por cultivo de castanheiras, e começar uma jornada que já tem 35 anos de obstinação.

Três pessoas foram decisivas nessa mudança de cultivar castanheiras em lugar de derrubar a floresta para criação de gado: o empresário Moyses Israel, que fez da exportação da castanha um esteio de sustentação da economia regional e sobrevivência social, após a quebra do II Ciclo d Borracha; o engenheiro florestal Vivaldo Campbell, dirigente do IBDF, instituto de defesa florestal, que antecedeu o Ibama; e o cientista norte-americano, Charles Rolland Clement, PhD em plantas, com 40 anos de pesquisa na Amazônia. Eles convenceram Vergueiro, com pesquisas depois consolidadas pelo Inpa e Embrapa, e agora USP, das vantagens protéicas da Bertholetia excelsa, que integra a cadeia milenar da nutrição indígena. Entretanto, nenhum dos três sabia que o consumo diário de selênio – presente em altas concentrações no fruto milagroso, deficitário na maioria dos participantes da pesquisa premiada – foi capaz de melhorar o desempenho dos idosos em testes cognitivos. A descoberta da pesquisadora Bárbara Cardoso, da Universidade de São Paulo (USP), lhe rendeu o 1º lugar na categoria mestre e doutor na 18º Prêmio Jovem Cientista, e conferiu a Vergueiro a mais nobre premiação de toda a vida: ajudar as pessoas e prolongar sua memória.

O consumo diário de castanha, um hábito amazônico adquirido por força do ofício, ajuda Vergueiro, também, a lembrar com detalhes um episódio do qual se envaidece, ocorrido logo após a transformação do Território de Guaporé em Estado de Rondônia, quando foi criado o Parque Nacional dos Pacaás Novos, em homenagem a esta etnia que ali vivia. Em visita a Funai, foi informado que os indígenas haviam visto na sede da Fundação um dos programas do Globo Rural, exibido em cadeia nacional, justamente sobre seu projeto de plantio de castanha, na Fazenda Agropecuária Aruanã. Os índios lhe pediram mudas para plantio nas diversas tribos para assegurar o sustento alimentar. Vergueiro mobilizou diversos atores, entre eles a Marinha e a Força Aérea Brasileira, e os empresários associados ao Rotary Club de São Paulo, ao qual era afiliado na ocasião. Naquele ano, a associação estava celebrando 50 anos e decidiu mobilizar seus membros e colaborar no desafio de fazer chegar às tribos amazônicas dos Pacaás Novos, 60 mil mudas de castanheiras. A entidade recebeu o prêmio do Rotary Internacional, de Saúde Fome e Humanidade, o reconhecimento por ações diferenciadas em favor do gênero humano, e Vergueiro a lembrança inesquecível de seu mais nobre programa em favor dos índios: a oferta de alimentos e a certeza do reforço nessa preciosa faculdade da memória: o único instrumento de compreensão da hora presente e a melhor ferramenta para planejar o futuro neste desafio, que caberia a todos nós, de fazê-lo um pouco melhor para os que virão.