Vida de repórter; quando o casal disputa a pauta

Por Eliane Aquino:

Na busca do “furo”, marido e mulher tropeçam na mesma história

Em Manaus, início de 1986, eu e o meu marido, jornalista Marcos Aquino, trabalhávamos em jornais diferentes. Ele, na Editoria de Economia do Jornal do Commercio, eu em reportagens especiais, de A Crítica.

Calhou que acabamos por cobrir uma mesma pauta.

A do famigerado colarinho verde, rombo de milhões de dólares na Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).

Como fomos nós, do jornal A Crítica, que demos o furo, depois de praticamente 40 dias de muita investigação, de informações em off, de checagem de números, de contatos clandestinos com lobistas, até chegarmos a um inquérito na Polícia Federal, tínhamos alguns contatos que nos permitiam estar mais à frente na cobertura.

Em minha casa, havia uma espécie de pacto do silêncio sobre o caso.

Marcos sabia que eu tinha fontes importantes dentro da Polícia Federal em Manaus e em Brasília; eu sabia que ele tinha informações privilegiadas de fontes igualmente importantes, no Banco do Brasil e na Receita Federal.

As vezes, quando eu lia as matérias dele, e ele as minhas, a gente só esbravejava, para dentro, um contra o outro.

Certa feita, uma delegada me deixou ler um depoimento de um empresário que praticamente entregava o crime. Eu perguntei se poderia escrever sobre o que lera. Ela me disse que sim, desde que eu não citasse a fonte. Questionei, no caso de ser interpelada pela matéria. Aí ela me tranquilizou; o que eu iria escrever estava documentado em depoimento.

Escrevi.

E provoquei a ira de Marcos Aquino, caindo numa armadilha. Primeiro, ele disse que eu tinha escrito sobre o que ouvi, sem nem saber o que era. Que as informações não se sustentavam. Reagi como ele queria: contei o milagre, e o santo. Foi o bastante para ela correr até a Polícia Federal e tentar acuar a delegada.

Queria ler o depoimento.

Se a repórter de A Crítica leu, porque ele não poderia ler, também.

Não leu, e eu, por pouco, não perdi minha fonte.

Fiquei de cara amarrada para ele, por dias. Até que outra pauta nos uniu, de novo.

Passavam das 18 horas, quando a jornalista Francisca Vale, chefe de reportagem, me chamou. O governo federal tinha feito uma intervenção na Suframa e o interventor chegaria em Manaus à meia-noite. Eu precisava ir ao aeroporto. Disse-me que só nós tínhamos aquela informação.

Aí, danou-se. Como explicar para Marcos Aquino que eu só chegaria de madrugada em casa? Se falasse em pauta, obviamente chamaria a atenção dele. Se falasse em farra, ele não perderia por nada. E ainda tinha meu filho, seis anos de idade.

Pedi a uma colega de trabalho para levar meu filho para dormir na casa dela e dei ao meu marido uma desculpa chula: tinha morrido um parente de uma amiga, ela estava abalada, e eu iria ficar até mais tarde no velório.

Estranhei que Marcos sequer perguntou que amiga era. Mas não havia tempo para pensar nisso naquele momento.

Às 23h30, eu e o repórter fotográfico Pinduca chegamos ao Aeroporto Internacional Eduardo Gomes. Checamos o horário do voo. Chegaria meia hora atrasado. Resolvemos ir até um quiosque para tomarmos uma cerveja. Nem bem me aproximei, lá estava Marcos Aquino, com um fotógrafo do Jornal do Commercio.

Rimos muito, dividimos a cerveja, e a pauta.

Após falarmos com o interventor, perguntei para Marcos:

– Vocês vão dar apenas na primeira página?

– Sim. Não dá tempo para fazer matéria. E vocês?

– Também.

No dia seguinte, além das manchetes de Capa, os dois jornais trouxeram, cada um, uma página inteira sobre a entrevista com o interventor, com fotos dele chegando, com foto do superintendente que deixou o órgão, além de um texto rememorando o caso, escritas por nós, é claro.

À noite, festejamos o feito no bar do Armando, no Centro da cidade, com cerveja e ainda muita disputa pela pauta do colarinho verde.

A propósito, sobre o colarinho verde há muitas histórias a ser contadas. Ainda escreverei algumas.

*Marcos Aquino faleceu no ano de 2000, aos 44 anos de idade. Foi um dos melhores jornalistas que eu tive a sorte e a honra de conhecer e de dividir parte da minha vida.