A COMUNISTA, O CARRÃO E SANCHO PANÇA

Por Ribamar Bessa:

Ilma. Sra. Deputada
Alessandra Campelo da Silva (PCdoB)
Saudações! Escrevo essa carta, mas não repare os senões, para dizer o que penso sobre a repercussão nas redes sociais da sua declaração de bens publicada no Diário Oficial da ALEAM – Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (10/02/2015). Lá consta um veículo Land Rover – linha Range Rover Evoque – financiado pelo banco, com valor inicial de R$ 174.000,00, além de três imóveis – duas casas e um apartamento – e contas no Bradesco e Banco do Brasil. Tudo transparente, explicitando as formas de pagamento. Tudo limpo e legal – digo eu.
Um parênteses: embora não prive da intimidade de nenhum proprietário de um carrão tão caro, consulto se posso te chamar de Xandra. Posso sim, né?  Afinal você tem a idade da minha filha e milita num partido cuja atuação acompanhei de perto na época gloriosa em que Vanessa Grazziotin, hoje senadora, desempenhava um combativo e límpido mandato de vereadora. Além disso, somos colegas, você é jornalista, teria sido minha aluna na UFAM se eu tivesse continuado como professor daquela instituição.
Pois é, Xandra, nesta semana acompanhei nas redes sociais muita gente ouriçada querendo saber como é que uma jovem, que ontem militava no movimento estudantil como vice-presidente do DCE, conseguiu acumular hoje os bens como os que foram declarados por você.
As más línguas, que sujam qualquer reputação, lembram de tua declaração aos jornais em 2013 criticando o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria (CGU): “Essas instâncias estão praticamente inviabilizando o término das obras”. Tratava-se da edificação da Arena da Amazônia, palco dos jogos do Mundial de 2014, que segundo as duas instituições tinham indícios de sobrepreço e outras pendências. Será que a postura mais correta não era apoiar o TCU?
Vai com as outras
Apesar disso, da minha parte, acredito que teus bens declarados podem ser compatíveis com quem teve salário de diretora executiva da Secretaria de Produção Rural (SEPROR) e depois de titular da Secretaria de Estado da Juventude, Esporte e Lazer (SEJEL). A crítica que faço não envolve, portanto, qualquer tipo de suspeita sobre tua honradez. Afinal, não é crime nem pecado ser proprietária de três imóveis totalizando R$ 635.000,00 e de um land-rover que vale R$ 174.000,00, se foram adquiridos legitimamente com o suor do trabalho. Não é caso de polícia ou de juiz, mas de eleitor.
A questão é política. O que incomoda é a ostentação e o deslumbramento diante do poder, isso sim incompatível com o Estatuto do Partido Comunista do Brasil, na sua versão atualizada de 2010, cujo artigo 8 diz que o PCdoB “combate tendências alheias à cultura política dos comunistas como favoritismo, carrerismo, individualismo, burocratismo e práticas corrompidas“, depois de haver recomendado, no seu art. 7, que os militantes “realizem esforço pessoal permanente por elevar o domínio do marxismo-lenismo e da linha política do Partido“.
Tá certo, o Range Rover Evoque que você dirige, se pintado de vermelho, com a foice e o martelo desenhados no capô, pode veicular o marxismo-leninismo, sem afetar o design contemporâneo, o interior refinado com acabamento de couro e “a linha única que garante destaque na cidade“. Dessa forma, você “enfrenta com confiança todos os terrenos e condições, com muita capacidade em situações desafiadoras“, como argumenta o site do fabricante.
Advirto, porém, que o ministro Aldo Rebelo, autor do projeto contra o uso de palavras estrangeiras, condena as três versões da linha Evoque: Pure Tech, Dynamic Tech e Prestige Tech. De qualquer forma, qualquer que seja a linha, o juiz Flávio Roberto, que dirigiu o Porsche Cayenne do Eike Batista, adoraria conduzir o teu Land Rover Evoque, para desta forma contribuir na “luta contra a exploração e a opressão capitalista e imperialista”, como reza o Estatuto do Partido. Será?
Vi que no carnaval de 2015 você, presidente da Comissão da Mulher, das Famílias e do Idoso da ALEAM, participou  do bloco carnavalesco “Maria vem com as outras”, organizado pelo Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim). Venha com as outras, Xandra, com as pessoas lascadas, mas não vá com os outros, seus colegas deputados.
Vixe-vixeados
Talvez, estimada Xandra, você esqueça o proletariado por estar contaminada pela convivência na Assembleia Legislativa com “figuras impolutas”, todas elas vixe-vixeadas, como Belão (PMDB), Josué Neto (PSD), Abdala Fraxe (PTN), Adjuto Afonso (PP), Sidney Leite (PROS), pastor Carlos Alberto (PRB), Cabo Maciel (PR). Um timaço de primeira linha. Não siga o exemplo deles, Xandra! Eles não defendem “valores da igualdade de direitos, liberdade e solidariedade, de uma moral e ética proletária, humanista e democrática“, como prega o Estatuto do PCdoB.
O teu exemplo não deve ser muito menos o Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT, partido que ajudei a fundar no Amazonas. Ele ficou conhecido como Silvinho Land Rover por ter recebido de presente um carrão oferecido pelo proprietário da empresa GDK. É melhor se espelhar no ex-presidente do Uruguai José Mujica, que prefere seu fusquinha azul, modelo 1987, avaliado em 70 mil pesos (um pouco mais de 8 mil reais). Mujica doou parte de seu salário de presidente ao Projeto Moradia Solidária. Saiu da presidência como entrou: num fusquinha.
O genial Miguel de Cervantes já havia assinalado a resistência ao deslumbramento pelo poder quando escreveu Dom Quixote. Lá, no Capítulo 53, descreve a fala de Sancho Pança no momento em que deixou o governo da Insula:
Vossas Mercês fiquem com Deus e digam ao duque meu senhor que eu nasci nu, nu continuo: não perco nem ganho; quero dizer que sem dinheiro entrei neste governo e sem ele saio, de forma bem diferente com que costumam sair os governadores de outras províncias. Saindo eu nu, como saio, não é necessário outro sinal para dar a entender que governei honestamente como um anjo.
Prezada Xandra, você tem função representativa, pertence a um partido que, independentemente das divergências que se possa com ele ter, possui uma trajetória de lutas e de integridade. Não deixa que te chamem de Xandra Land Rover. De uma parlamentar comunista, se espera que não ofenda a população humilde que compõe seu eleitorado. O land rover ofende. Você devia dar bom exemplo e não seguir a trilha abominável do Belão, do Cunha e do Renan.
Xandra,  o melomerendismo não compensa. O Eduardobreguismo também não. Seja mais José Mujica e menos José Melo Merenda, mas Sancho Panza e menos Eduardo Braga.
Amos. Atos. Obros.
Taquiprati

P.S. Veja quão insondáveis são os caminhos da Senhora. Eu ia escrever sobre palestra que dei na Universidade Católica Dom Boco, em Campo Grande (MS) com o lançamento informal do livro “Políticas Culturais e Povos Indígenas” organizado por Manuela Carneiro da Cunha e Pedro Cesarino. Um land rover me tirou da rota. Haverá outra oportunidade.