Planalto trata a Amazônia como ‘almoxarifado’, diz reeleito no PA

Da Folha de São Paulo:

Reeleito neste domingo (26) com votação apertada (51,9%), Simão Jatene (PSDB), 65, vai se tornar o político que mais tempo passou à frente do governo do Pará: 12 anos.  Jatene, que foi um dos fundadores do PSDB, derrotou Helder Barbalho (PMDB), filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), após uma campanha repleta de ataques, cujo resultado ecoou o plebiscito que vetou a ideia da divisão do território em três Estados, em 2011.
“Quando vimos o mapa de votação (do primeiro turno), com vitória deles nos territórios que buscaram a divisão, não teve jeito, tivemos que tomar algumas decisões, denunciar a safadeza disso. Eles queriam um novo plebiscito, mas só com as pessoas de lá. É uma maluquice”, disse o governador, em entrevista à Folha nesta segunda (27).
O tucano garantiu sua terceira vitória para governador ao conquistar a maioria dos eleitores de Belém e região metropolitana, compensando o triunfo de Helder nas cidades que formariam os territórios (em especial Santarém e Marabá) —o vice do peemedebista ainda defende a separação do Estado. E criticou o governo federal, acusando-o de “saquear” a Amazônia com grandes obras. “Esse olhar para a Amazônia, um almoxarifado que tu saqueias e fica por isso mesmo, está cada vez mais insustentável. E isso era o compromisso da Marina (Silva) e, de certa forma, do Aécio (Neves)”, disse Jatene, citando os dois presidenciáveis de quem recebeu apoio.
No meio da entrevista, recebeu telefonema de Marina, parabenizando-o pela votação, e cobrando novamente os compromissos pela preservação da Amazônia. “Desde o tempo da borracha é nítida a contribuição do Pará ao governo brasileiro. Mas lamentavelmente o Pará não tem tido o reconhecimento do governo federal.”  Abaixo, os principais temas da entrevista, em Belém.

GRANDE OBRAS DA AMAZÔNIA
“A decisão de implantar um grande projeto passa longe daqui. É a coisa do interesse nacional. Impor o interesse nacional sobre os interesses sub-regionais não pode ser na base do ‘metrópole e colônia’. Se você implantar um grande projeto destes, numa economia consolidada, como São Paulo e Minas Gerais, tem um efeito que desbalanceia o território. Mas aqui, não, aqui vira de cabo a rabo, vira de ponta-cabeça.
Veja o linhão (de transmissão) de Tucuruí. As pessoas ouvem o linhão fazer ‘zzzz’, passando na cabeça delas, mas não têm energia em casa. Esse olhar para a Amazônia, um almoxarifado que tu saqueias e fica por isso mesmo, está cada vez mais insustentável. E isso era o compromisso da Marina e, de certa forma, do Aécio.
Pegue o exemplo da hidrelétrica. Você faz um projeto de engenharia, e este projeto não tem qualquer preocupação ambiental ou social, vamos ser francos. A saída mágica é a condicionante, como se isso fosse resolver todas a: mazelas que a história não conseguiu resolver.”

ESTADO DIVIDIDO/SEPARATISMO
“O plebiscito de 2011 foi uma das experiências mais sérias e traumáticas que o Estado já teve. Há muitos pedidos de divisão de Estados pelo país, mas nos fizeram de cobaia. A campanha do “sim”, com o Duda Mendonça, começou a ganhar corpo, e começaram a produzir peças violentas, grosseiras. Quando percebi isso, pensei: ‘não tenho saída, tenho que puxar essa coisa (a campanha do ‘não’) para mim’. É melhor do que deixar que as populações entrem em conflito.
Nesta eleição, na última semana antes do primeiro turno, eles (Helder) partiram para uma campanha desgraçada, revivendo o plebiscito. Isso mexeu com o sentimento que estava adormecido. Eles terminaram o primeiro turno com só mil votos na frente. Quando vimos o mapa de votação, com vitória deles nos territórios que buscaram a divisão, não teve jeito, tivemos que tomar algumas decisões, denunciar a safadeza disso. Eles queriam um novo plebiscito, mas só com as pessoas de lá. É uma maluquice.
Não dá para meia dúzia de irresponsáveis, de lideranças sub-regionais, fazer um estrago deste tamanho. Nós estreitamos [a votação] nas duas regiões, diminuímos a diferença, e abrimos margem na região metropolitana e na região nordeste.”

DOMÍNIO TUCANO NO PARÁ
“Não é urna oligarquia, pelo seguinte. A diferença é que não tenho nenhum parente metido na política, zero. Nem prefeito do interior, nada. O (ex-governador tucano Almir) Gabriel, mesma coisa. Não criamos nenhum aparato institucional, império da comunicação. Tenho uma total discordância de se ter veículo de comunicação de grupo ou partido político como proprietário. Isso fragiliza muito a questão da democracia, das disputas. Não é isso.”

AÉCIO NEVES
“Ele é um vitorioso, o país todo reconhece isso. Tenho a maturidade para compreender que esses votos não se cristalizam na pessoa, a pessoa é que cristaliza ideias e causas. Agora é unificar de fato cada vez mais o Brasil no sentido de construir bases para um passo mais largo.”

DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA
“Houve um repiquete [nos últimos 12 meses], mas caímos muito nos últimos anos. A própria Marina disse que ajudamos muito na questão do desmatamento. Quando a ministra [do Meio Ambiente, Izabella Teixeira] resolveu achar que ia dar um pito na questão da retomada do desmatamento, eu disse: ‘Menos. Isso está acontecendo em unidades de conservação federal e projeto de assentamentos. Não transfira a responsabilidade para esconder fragilidade.’ Criamos unidades de conservação, e temos que induzir a sociedade local, nos municípios, para ela perceber que isso é mau.”

LEI KANDIR (PREVÊ A ISENÇÃO DE ICMS NAS EXPORTAÇÕES)
“No ano passado, exportamos R$ 40 bilhões. Se eu tivesse uma alíquota de 7% sobre isso, eu teria R$ 2,8 bilhões. Para efeito de comparação, nos quatro anos de governo, vamos investir R$ 4,5 bilhões. Temos que resolver isso internamente, ninguém é louco de onerar exportação em um mundo globalizado. Propus uma saída ao (Antônio)Palocci lá atrás, quando ele era ministro (da Fazenda), com a criação de um fundo. Ele adorou, disse que o plano era genial. E ficou nisso. Na atual gestão, não tive chance de conversar sobre isso.”

DERROTA DOS BARBALHO
“É muito cedo para uma avaliação mais depurada, mas tem um significado importante para o Pará e para o país. A sociedade brasileira, particularmente a paraense, rejeita a ideia do vale-tudo na política. Eles têm uma história de intimidar, de truculência. Os eleitores fizeram uma avaliação de valores mesmo.
A velha tática de ficar massificando a mentira na expectativa de que ela vire verdade, cada vez mais, em uma sociedade. Essa coisa da esperteza não tem mais o condão de garantir o voto. Ninguém é dono do voto. Vamos ser francos, isso na campanha foi usado na campanha, mesmo. Isso mexeu com os brios, a classe média vendo, gente que nunca vi balançando uma bandeira na rua. Essa coisa da defesa. A ideia de não querer um passado que nos envergonhou.”