Não cabe ação rescisória contra sentença baseada em jurisprudência que mudou

Do CONJUR, Por Pedro Canário:

Não cabe ação rescisória contra uma decisão baseada em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que depois foi revista. Foi o que decidiu a corte em Recurso Extraordinário ajuizado pela Fazenda julgado nesta quarta-feira (22/10). Em outras palavras, o STF julgou que não se pode entrar com ação rescisória no caso de o entendimento do STF mudar e decisão de tribunal local se basear no entendimento superado.

Assim, o Supremo decidiu que a Súmula 343 pode ser aplicada a discussões de controle de constitucionalidade. Segundo a súmula, “não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

O caso concreto discutia a possibilidade de o contribuinte se creditar de IPI no caso de usar insumos isentos do tributo. Em 2002, o Supremo decidiu que esse creditamento é possível. Em 2007, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região autorizou uma empresa a fazê-lo. O problema foi que em 2009 o Supremo mudou seu próprio entendimento e passou a proibir o crédito de IPI.

Com base na nova interpretação do STF, a Fazenda Nacional ajuizou uma ação rescisória contra a decisão do TRF-4. Ganhou, e a empresa entrou com um RE contra a decisão que autorizou o ajuizamento da rescisória. E o cabimento dessa ação é que teve sua repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do Supremo.

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio (foto), já havia votado. E foi contra o cabimento da rescisória, a favor do crédito de IPI — e contra o próprio entendimento, já que, na segunda ocasião, votou contra o creditamento de IPI no caso de uso de insumos isentos. O que estava pautado para esta quarta era o voto-vista da ministra Cármen Lúcia.

A ministra acompanhou o relator, lembrando que a discussão era sobre o cabimento da Súmula 343 em discussões constitucionais. O texto proíbe o ajuizamento de ação rescisória contra decisão que se baseia em jurisprudência ainda não pacificada. Mas até esta quarta, o STF entendia que ela não se aplicava a matéria constitucional, já que a decisão da Suprema Corte nesses casos é sempre a “melhor decisão”.

Por seis votos a dois, o Supremo entendeu que a súmula se aplica a discussões constitucionais.

O ministro Luiz Fux, que seguiu o voto do relator, afirmou que a discussão desta quarta levava em conta previsibilidade e a estabilidade da jurisprudência. “Decidir que podemos reformar decisão com base em mudança de entendimento desta corte é criar estado de surpresa no jurisdicionado”, disse Fux.

Ele lembrou dispositivo que está em discussão no projeto de reforma do Código de Processo Civil: o artigo que permite ao juiz negar seguimento a um processo sem ouvir o réu se o pedido estiver em desacordo com a jurisprudência do Supremo ou dos tribunais superiores. “É uma maneira de se aplicar a isonomia e conferir essa segurança jurídica à jurisprudência”, afirmou. “O jurisdicionado não pode ser tratado como um cão, que só sabe que está errado quando um taco de baseball lhe toca o focinho.”

Modulação de efeitos
O ministro Teori Zavascki foi quem abriu a divergência. Segundo ele, quando o Supremo decidiu que o crédito de IPI não era possível, houve a discussão a respeito da modulação de efeitos daquela decisão. E de acordo com o ministro Teori, a questão foi posta justamente por causa do cabimento da rescisória.

E por dez votos a um o Supremo optou por não modular os efeitos daquela decisão. Segundo Teori, justamente porque, se fosse decidida a modulação para que a decisão valesse apenas dali para frente, não caberia ação rescisória nem mesmo no prazo legal, de dois anos após o trânsito em julgado do acórdão em questão.

O ministro afirmou que a gênese da Súmula 343 é a mesma da Súmula 400, segundo a qual decisão que deu “razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza Recurso Extraordinário”. “Nas duas súmulas a doutrina é a da tolerância à interpretação razoável”, afirmou. Para o ministro, isso significa que o sistema deve tolerar equívocos, desde que não sejam “aberrantes”.

Mas, no caso de discussão constitucional, segundo Teori (foto), não existe “decisão razoável”. Isso porque o Supremo, como guardião da Constituição, é quem tem a última palavra em discussões constitucionais. “A orientação da Súmula 343 e da 400 sustenta-se na preocupação fundamental de manter o princípio da aplicação uniforme de princípios constitucionais e de reforçar a posição do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição.”

Ao final do voto, Teori Zavascki concluiu: “O acolhimento do recurso agora importa sem dúvida verdadeira rescisão do que bem ou mal decidiu o tribunal naquela oportunidade”. Justificou-se no fato de o STF ter negado a modulação dos efeitos do RE que autorizou o creditamento justamente para não inviabilizar a ação rescisória.

Jurisprudência nem tão pacífica
O ministro Gilmar Mendes foi o único a acompanhar o ministro Teori. É ele o dono da tese de que não deveria se aplicar a Súmula 343 em discussões constitucionais por ser o Supremo o dono da “melhor decisão” no assunto.

Gilmar Mendes (foto) contou que a decisão do Supremo que autorizou o crédito de IPI foi tomada em 2002 e o acórdão, publicado em janeiro de 2003. Em fevereiro de 2003, a 1ª Turma do STF afetou ao Plenário recurso com discussão semelhante. E menos de um mês depois, o caso já estava na pauta do Pleno. “A rigor não se pode falar em pacificação no tribunal”, afirmou Gilmar.

Questão de ordem
Antes da declaração de resultado, o procurador da Fazenda Nacional Luís Carlos Martins Alves Jr. suscitou questão de ordem. Queria saber se a decisão proferida nesta quarta se aplicaria apenas às discussões a respeito do creditamento de IPI ou se valeria para todos os debates a respeito do cabimento de ação rescisória.

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, respondeu que a tese em discussão é o cabimento da ação rescisória, conforme ficou decidido quando o tribunal reconheceu repercussão geral.

Depois do julgamento, o procurador da Fazenda explicou sua preocupação. Segundo ele, em tese o Supremo decidiu por uma “modulação temporal permanente” de revisões de entendimento. Como o tribunal entendeu que não caberia a rescisória contra decisão de tribunal local que se baseou em jurisprudência posteriormente revista, “qualquer revisão de entendimento só vai valer da data do julgamento para frente”, explicou o procurador.

Ele também contou que a Fazenda tem hoje cerca de 100 ações rescisórias em trâmite no STF. Nem todas se enquadram na situação do caso decidido nesta quarta, “mas a imensa maioria, sim”. O ministro Celso de Mello lembrou que o INSS também tem “várias” rescisórias em tramitação no tribunal, daí a importância do caso.

Comentário meu: Essa decisão tranquiliza os adquirentes de insumos produzidos na Zona Franca de Manaus e que compuseram o produto final em outros estados, no passado, mas preocupa a situação atual, pois o STF que antes entendia que gerava crédito de IPI agora entende que não gera mais. E pior, há proposta de Súmula Vinculante o que será um desastre para os fabricantes na ZFM que vendem os insumos para compor o produto final em outros estados.

Com a palavra a SUFRAMA.