ELEIÇÕES E REFORMA TRIBUTÁRIA

Por Everardo Maciel:

A campanha eleitoral continua lamentável. O que prevalece é propaganda, cujo produto final poderia ser, indistintamente, política, iogurte ou sabonete.

As mensagens dos candidatos às eleições proporcionais correspondem, tanto quanto em anos anteriores, a uma impressionante coleção de sandices, exibições grotescas e arroubos mitômanos. Se a razão fosse eleitora votaria em branco.

As eleições majoritárias, salvo em raros momentos, são um festival de fantasias delirantes e difamações.

A campanha abomina a discussão de temas complexos, mesmo que sejam cruciais para o futuro do País, preferindo questões de apelo midiático ou demagógico. Nada disso, contudo, é surpreendente, considerado nosso grau de maturidade política.

Reforma tributária é um desses temas complexos. Todos proclamam sua necessidade imediata, porém de forma tão abstrata que o conteúdo se ajusta a qualquer proposta.

Reformar significa mover-se desde uma situação vigente até um modelo idealizado. Dito assim, reforma implica a existência de um paradigma e uma trajetória para sua consecução, que não são necessariamente únicos.

Reforma, qualquer que seja ela, não é um conceito autoexplicativo, pois requer que sejam definidos o paradigma e a trajetória. Não existe, portanto, a reforma tributária, mas uma grande variedade de reformas tributárias, que podem, em tese, ser desastrosas.

Porquanto respondem a desejos de mudanças, as reformas, ainda que abstratas, exercem um enorme fascínio sobre as pessoas Além disso, há o recorrente discurso dos tecnocratas dos organismos internacionais que pregam a necessidade de todas as reformas, na pretensão de sujeitar o país ao que está estabelecido em seus manuais de trabalho, sem dar a menor importância as peculiaridades locais.

Como bandeira política no Brasil, a reforma tributária ganhou destaque em dois momentos de nossa história recente.

No governo João Goulart (setembro de 1961 – março de 1964), depois do insucesso de Plano Trienal de Desenvolvimento (1963-1965) optou-se pelo discurso das “reformas de base”. Esse mal alinhavado conjunto de ideias incluía a reforma tributária.

Em setembro de 1963 foi constituída, no Ministério da Fazenda, uma comissão para cuidar da reforma administrativa daquele órgão, que findou sendo o surpreendente embrião do audacioso projeto de reforma da tributação do consumo de 1965.

Outro momento foi a Constituinte de 1988. Nesse caso, a reforma tributária foi essencialmente um movimento em direção a uma maior descentralização fiscal. A União absteve-se de participar ativamente dos debates, com graves repercussões sobre as finanças nacionais.

Reforma tributária é tema permanente em todos os países. A despeito das questões envolvidas, é matéria com elevada sensibilidade política. Por conseguinte, sua condução requer estratégia e habilidade negocial.

Sistemas tributários não são softwares de prateleira. Tampouco, são meras construções de especialistas. Decorrem de tensões políticas e justamente por isso são intrinsecamente imperfeitos.

O imposto sobre valor agregado (IVA), sufragado por mais de 150 países, não vigora nos Estados Unidos, porque sua adoção implicaria graves perturbações nas relações federativas.

No Brasil, a desproporcional expansão das contribuições sociais resultou de sucessivos aumentos na partilha do IR e do IPI com Estados e Municípios. Essas contribuições, hoje, pouco se assemelham às de outros países, guardando maior proximidade com o conceito de impostos.

Os modelos tributários são dinâmicos, porque sujeitos à obsolescência, em virtude de novas circunstâncias econômicas ou sociais. Daí o entendimento de que reforma tributária é um processo e não um evento.

Desde a reforma de 1965, todas as emendas constitucionais que cuidaram da matéria tributária concorreram para a perda de qualidade do sistema. Representam, portanto, uma perigosa via para implementar mudanças tributárias. Sempre que possível deve-se optar por soluções infraconstitucionais.

Não convém acumular propostas, tendo como pretexto uma reforma abrangente. Essa é a forma segura de maximizar as tensões políticas que levam a impasses. O antônimo de abrangente não é pífio. Poderia ser cirúrgico.

Deve-se ter muito cuidado com a tentação de transportar acriticamente modelos de um país para outro, sem ter em conta que eles têm história e, em consequência, reproduzem situações específicas. A experiência internacional pode, no máximo, servir como inspiração para construir soluções locais.

Em um próximo artigo, cuidarei de proposições concretas de reforma tributária.