O PACTO FEDERATIVO COMO CLÁUSULA PÉTREA


* Voltaire de Lima Moraes

      Ninguém ignora que a Constituição Federal de 1988 erigiu à condição de cláusula pétrea  a forma federativa de Estado(art. 60, § 4º, I,).
Cabe assim verificar se não está sendo comprometida a essência do pacto federativo na medida em que, na esfera do Poder Executivo, os Governadores e Prefeitos, cada vez mais, menos podem fazer, pois a União, sistematicamente, vem concentrando mais poderes, especialmente no âmbito orçamentário-financeiro.
No âmbito do Poder Legislativo, as Câmaras de Vereadores e as Assembléias Legislativas vêm perdendo espaço no que se refere ao seu poder legiferante, notadamente em matéria tributária
No campo do Poder Judiciário, é visível, principalmente diante das reformas que aí estão, o esvaziamento de competências da Justiça dos Estados, v.g., consistentes na proposta de federalização dos crimes envolvendo direitos humanos e agora, de forma recentíssima, a proposta de passar à Justiça Federal a incumbência de julgar conflitos agrários, a despeito do que dispõe o art. 126 da CF.
Esse centralismo atende aos superiores interesses da sociedade brasileira?
Como bem observa Nagib Staibi Filho(Direito Constitucional, Forense, 2004, p. 804), “Descentralizando o poder de decisão estatal, em cada função e através de diversos níveis territoriais, o que é rigidamente previsto na Constituição, o sistema federativo tem a vantagem de permitir  que as forças políticas, econômicas e sociais, em determinada região, não sejam asfixiadas.”
A asfixia dos entes federativos, contudo, pode dar-se nas três esferas de poder, e isso implica, em conseqüência, formas de solapar o pacto federativo.
Centralizar mais poderes, do que os necessários, no Executivo Federal, em detrimento dos Estaduais e Municipais igualmente centralizar poder legiferante em demasia no Congresso Nacional, em desfavor das Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores e por fim, esvaziar competências das Justiças Estaduais, repassando-as para a Justiça Federal, constituem formas de agressão ao pacto federativo, contrariando vontade excelsa acolhida pelos legisladores constituintes.

Assim, na medida em que a Constituição Federal consagrou a autonomia político-administrativa dos entes federativos(art. 18, caput,), qualquer reforma que objetive desequilibrar a relação harmoniosa entre eles, v.g., conferindo mais poder à União, do que os necessários, para manter a ordem interna e a soberania do País, em detrimento dos demais, isso significa também afronta ao próprio Estado Democrático de Direito, uma vez que a República Federativa do Brasil está nele estribada (art. 1º, caput, da CF).
A propósito, mais uma vez cabe lembrar Nagib Staibi Filho (ob. cit. p. 811): “De qualquer forma, a História de nossas Constituições demonstra que, cada vez mais, são ampliados os poderes federais e restringidos os estaduais, tendência que foi quebrada pela Constituição de 1988, que procurou reforçar não só os Estados-membros, mas também os Municípios, em processo de reação ao centralismo imperante no período militar de 1964-1985”.
Diante de um quadro normativo-constitucional, fruto de, até aqui, inúmeras emendas à Constituição, cabe indagar:  terão todas elas sido realizadas com o objetivo de repensar o Estado Brasileiro, adequando-o à realidade hoje reinante, e por isso necessárias, não obstante a Carta Magna tenha sido promulgada há pouco tempo, ou algumas delas representam formas de revitalização do centralismo, e, em  conseqüência,  de esvaziar o pacto federativo?
Tal questionamento também implica uma análise maior: verificar se o sistema de distribuição de competências que hoje vige, entre os entes federativos, não está demasiadamente centralizado (art. 22 da CF), o que torna o pacto federativo mais um princípio formal do que substancial, vindo com isso em prejuízo dos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois toda decisão, nas três esferas de poder, deverá, tanto quanto possível, ser praticada mais próxima dos fatos que a originaram e dos seus destinatários, por isso mesmo capaz de gerar eficácias jurídica e social mais céleres, o que vai ao encontro dos reclamos da sociedade.

* Voltaire de Lima Moraes
Desembargador do Tribunal de Justiça-RS, professor universitário e ex-Presidente da CONAMP